sábado, 16 de setembro de 2017

4269) Os cabarés de Campina (16.9.2017)





O saite Retalhos Históricos de Campina Grande publicou uma matéria sobre o Cassino Eldorado e as diversas zonas do “baixo meretrício” de Campina Grande, em diferentes épocas da História.

Aqui:

Aliás, o uso desse termo é uma injustiça e uma imprecisão, porque o Eldorado era uma casa de “Alto Meretrício”, isso sim, inclusive com mulheres importadas – polacas, francesas... Como qualquer cidade brasileira, de Manaus a Londrina, que já viveu um boom econômico com presença de estrangeiros.

Se bem que as maiores atrações eram as beldades locais. Jackson do Pandeiro, que foi percussionista da orquestra do Cassino em sua juventude (“Ah, meus 18 anos!”), recordou muitos anos depois no clássico “Forró em Campina”:

Me lembro de Maria Pororoca,
de Josefa Triburtino e de Carminha Vilar.

(gravação original aqui:

O Eldorado está desabando; virou uma ruína fétida cercada por tapumes. É habitado por uma meia dúzia de malucos inofensivos, os quais são como os pássaros e os cavalos que, no conto de Jorge Luís Borges, não deixam morrer de todo as ruínas de um anfiteatro.

O propósito de estar escrevendo aqui é esta imagem, que peço emprestado ao pessoal do Retalhos Históricos, onde se vê o desenho do projeto do Cassino, e se dá como localização da famosa Rua Manuel Pereira de Araújo o “Bairro Chinez”. (Note-se a elegância do traçado, e as letras modernosas!)



Pois é, Campina também já teve a sua Chinatown.

Na época, chamavam de Manichula, nome que o saite corretamente relaciona com a invasão da Mandchúria em 1931.

É interessante que zonas de prostituição e favelas acabem recebendo nome de regiões em guerra, regiões em conflito. Em Campina, além da “Mandchúria”, tinha no meu tempo o “Vietnam”, uma fileira de botequins e barracas. Sua localização precisa no mapa urbanístico da cidade eu não lembro, porque nas poucas vezes em que fui lá “entrei bêbo, saí bêbo” (como diria a música gravada por Gilberto Gil). Mas meus companheiros de geração poderão esclarecer.

O famoso “Forró da Coréia” natalense, celebrado pelo grande Elino Julião, pode muito bem ter sido batizado pela guerra homônima. Foi isso que aconteceu com o bairro das Malvinas, em Campina, que ganhou esse nome por causa da guerra na Inglaterra com a Argentina.

Fico pensando quantas favelas haverá Brasil afora chamadas “Iraque” ou “Afeganistão”. Isso é tanto mais interessante porque, se não me engano, quem bota nome em favela não é a Prefeitura, é o povo que mora lá. E muitas vezes eles pegam justamente um “nome de lugar” que está em todas as bocas, está na TV, está no rádio. É o lugar famoso do momento, e é, tantas vezes, uma zona de guerra.

Voltando ao Eldorado e aos Retalhos: o saite nos fornece um link (que lhe peço emprestado aqui) para o valioso trabalho de Uelba Alexandre do Nascimento, Mandchúria: o bairro chinês de Campina Grande, que conta um pouco da história da vida noturna e das “mulheres de vida airada” em nossa cidade.


Entre outras coisas, o trabalho de Uelba puxa do fundo do baú outra lembrança musical, a dos famosos “banhos de domingo no Bodocongó”. Era uma diversão pouco inocente em que o pessoal ficava pelado para tibungar no Açude e depois ficar se divertindo pelas beiras. 

Marinês cantou a respeito desses folguedos no clássico “Saudades de Campina Grande” (1959), de Rosil Cavalcanti:

Tenho saudade de Campina Grande
da Lagoa dos Canários e do Zé Pinheiro
dos banhos do domingo no Bodocongó
de Zacarias Cotó, banho no Louzeiro...

(gravação original:

A canção de Rosil celebra um tempo que minha geração não alcançou, e decifrar cada referência dessa longa letra era um passatempo nosso em mesa de bar. De minha parte, sei que “Zacarias Cotó” era Zacarias Ribeiro, jogador e fundador do Treze.


(Zacarias é o quarto, em pé, da esquerda para a direita)

Tem também esse trecho, na mesma canção:

Ainda recordo o Zé Iracema,
centrefó do Paulistano nos dias de jogo
com o Treze, o velho Galo lá da Borborema,
que jamais teve um problema, pegava fogo.

Foi com certa surpresa que vi a descobrir, depois de adulto, que “Zé Iracema” era o sociólogo José Lopes de Andrade, que foi meu professor na UFPB e era pai do meu parceiro musical Zeca Lopes, ex-guitarrista d’Os Falcões.



Alguém virá perguntar que importância tem, e que interesse tem, ficar rememorando a história dos cabarés e das prostitutas do passado. Não existe algo mais nobre para recordar, da história de Campina?

O que ele talvez não saiba é que a História é um tecido onde tudo está amarrado a tudo, e que quem pega “um fio só” arrisca-se a puxar o pano inteiro.

A história dos cabarés não pode ser dissociada da história dos médicos, advogados e políticos que os frequentavam; a história das prostitutas não está dissociada da história dos músicos que com elas se divertiram ou da história dos adolescentes (futuros “cidadãos do bem”) que com elas tiveram acesso ao primeiro e último dos mistérios: o mistério da vida real.