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Quando jovem, a escritora Ruth Rendell (criadora dos romances policiais com o Inspetor Wexford) arranjou emprego de repórter num jornal. Caiu-lhe nas mãos a tarefa de cobrir o jantar anual de um Clube de Tênis. Para não perder a noite com uma tarefa tão sem graça, ela não foi ao jantar: redigiu a matéria dando informações banais sobre o evento e comentando trechos do discurso do convidado de honra. Somente no dia seguinte, ao ser demitida, ficou sabendo que o orador morrera de enfarte durante o discurso.
A escritora francesa Colette estava passeando num jardim com a condessa de Noailles, uma célebre aristocrata parisiense, muito rica, patrocinadora das artes e das letras, que gostava de se cercar de artistas. Pararam diante de um arbusto florido e a condessa exclamou: “Que flor mais linda! Como será que se chama?...” Colette respondeu: “É um amaranto, condessa.” E a outra: “Amaranto?! Mas é a flor de quem falo tanto nos meus poemas!...”
Quando Erico Verissimo “estourou” para o sucesso com o romance Olhai os Lírios do Campo (1938) viajou a São Paulo para fazer palestras e noites de autógrafos. Um amigo, médico, lhe fez um pedido: que fosse a um hospital visitar uma senhorita, grande admiradora sua, que estava internada com grave tuberculose. Verissimo remanejou a agenda, cancelou compromissos, e foi com ele ao hospital. Chegando no quarto da moça, o médico disse: “Fulana, olhe quem está aqui: Erico Verissimo!” A moça olhou os dois com estranheza e disse não saber quem era. O médico lembrou: “É o escritor que você admira... o que escreveu Olhai os Lírios do Campo”. E a moça: “Mas, doutor, o senhor está enganado. O escritor que eu disse que gosto é Humberto de Campos!”.
Aos 46 anos de idade, o compositor Cole Porter estava cavalgando num clube, quando o cavalo tropeçou e caiu por cima dele, quebrando-lhe as pernas. Ninguém presenciou o acidente (era num local afastado) e Porter ficou sob o corpo do cavalo durante cerca de seis horas. Sofreu fraturas graves que o obrigaram a fazer várias cirurgias e a usar muletas dali em diante. Cole Porter afirma que durante essas longas horas entreteve-se compondo um trecho da canção “At Long Last Love”, em que diz: “Será um terremoto, ou apenas um choque? É uma sopa-de-tartaruga legítima, ou uma falsa? Será que é só um coquetel, esta sensação de felicidade? Ou isto que eu estou sentindo é a-coisa-pra-valer?”.
Ibn-Battuta, o grande viajante árabe do século 14 (descrito como “o homem que conheceu o mundo mais do que qualquer outro antes dele”), estava de visita à corte do sultão de Mul-Jawa quando presenciou uma audiência em que um homem postou-se diante do trono e fez para o sultão uma longa declaração emotiva, numa língua desconhecida para o viajante, e em seguida ergueu um facão afiado e cortou o próprio pescoço, com tal violência que sua cabeça rolou pelo chão. Depois disso, alguém explicou ao viajante que o suicida era um escravo, e seu discurso tinha sido de devoção e amor pelo sultão, afirmando que iria se matar diante dele assim como seu pai se matara diante do pai do sultão, e seu avô diante do avô do sultão; e que dali em diante sua família seria coberta de ouro e honrarias.
Conta-se que em 1817 o escritor Stendhal, autor de O Vermelho e o Negro, viajava pela Itália e estava num hotel de luxo em Terracina, quando foi convidado a juntar-se a uma mesa onde estavam outros viajantes, recém-chegados de Nápoles. A conversa derivou na direção da música e Stendhal viu-se fazendo perguntas a um rapaz de vinte e poucos anos, que lhe dava respostas interessantes e bem fundamentadas. Vendo seu interesse pelo assunto, Stendhal perguntou-lhe se quando chegasse a Nápoles teria chance de ver a ópera Otelo, de Rossini, que estreara recentemente; e falou de sua ansiedade, pois na sua opinião Rossini, que não conhecia, era o único compositor vivo dotado de verdadeiro gênio musical. O rapaz ficou constrangido e o resto da mesa caiu na gargalhada, porque o rapaz era o próprio Rossini.
Numa noite quente de verão em 1939, o compositor Ary Barroso vestiu seu terno elegante, penteou o cabelo e preparou-se para sair e curtir a noite com seus amigos de boemia. Nesse momento desabou uma daquelas furiosas tempestades de verão, bem conhecidas por quem mora no Rio de Janeiro. Inconformado com a chuva desmancha-prazeres, Ary resignou-se a ficar em casa e perder aquela noitada. Sentou-se ao piano, passou os dedos pelas teclas. Teve a idéia (é ele quem relata) “de libertar o samba das tragédias da vida”, e começou a compor uma sequência de acordes em que o ruído da chuva sugeria as “batidas sincopadas de tamborins fantásticos”. E graças a esse toró inesperado nasceu “Aquarela do Brasil”.
Francis Fletcher (1555-1819) era capelão na frota do explorador e aventureiro Sir Francis Drake, que deu a volta ao mundo entre 1577 e 1580, repetindo a façanha de Fernão de Magalhães. Conta ele que, quando estavam atracados na costa do Peru, internaram-se na mata à procura de água potável, e em certo ponto se depararam com um espanhol exausto, profundamente adormecido, tendo ao lado treze barras de prata cujo valor aproximado seria de 4 mil ducados. E narra: “Vendo como ele corria dessa forma um grande perigo, nós o aliviamos dessa carga, e deixamos que aproveitasse o resto do seu sono em completa segurança”.
Numa conversa com o artista gráfico Ziraldo, o poeta Carlos Drummond de Andrade confidenciava algumas das paixões que manteve na vida adulta – à distância ou, às vezes, chegando às vias de fato. Relata ele que certa vez manteve um caso com uma senhora que acabou por traí-lo e abandoná-lo. O poeta não contou conversa: pegou um trem, foi para Belo Horizonte, de lá pegou um ônibus para Itabira, arranjou um cavalo e partiu na direção de uma fazenda conhecida sua, que tinha um pomar enorme. E todos os dias ia para o pomar, subia numa árvore, e lá de cima, sozinho, começava a berrar os maiores palavrões: “filha da puta, traidora, safada, cretina!”. E remata: “Sabe que eu voltei bem melhor?...”