terça-feira, 11 de novembro de 2014

3655) Paris, Argentina (11.11.2014)



(Cortázar, por Petros V.)

A literatura de Julio Cortázar é uma literatura da grande metrópole, dos labirintos da grande cidade, que no seu caso é geralmente Paris, com uma ou outra incursão por Buenos Aires.  Em O Jogo da Amarelinha, o protagonista Horácio Oliveira percorre as ruas de Paris como uma agulha de vitrola percorre os sulcos de um disco, e do atrito entre os dois brota uma sinfonia de paixões, desencontros, crises existenciais, mortes, bebedeiras, cigarros, mates, esbarrões com o absurdo e o surreal.  

Cortázar era leitor profundo e concentrado dos surrealistas. Uma das epígrafes do livro é uma carta de Jacques Vaché a André Breton: “Nada acaba tanto com um homem como a obrigação de representar um país”.  Coisas que passam pela cabeça de todo migrante em metrópole alheia, vendo o olhar dos donos da cidade voltados para ele e aquele enorme balloon de pensamento por cima de suas cabeças: “Ah... então é assim que os paraibanos são.”

Oliveira percorre Paris à procura da Maga, a mulher que o fascina, mesmo que ele negue estar apaixonado, mas, fiel ao impulso anárquico dela, ele não marca encontros.  Sai vagando pelas ruas, indo visitar um sebo, ouvir música num clube de jazz, tomar um café num “arrondissement” mais distante, e sabendo que ao chegar lá pode encontrá-la sorrindo, como se estivesse à sua espera.  Os dois habitam (diz ele) “um mundo onde você se movia como um cavalo de xadrez que se movesse como uma torre que se movesse como um bispo”.  “Encontraria a Maga?” é a frase de abertura do livro, e que cristaliza essa atitude.  Acontecerá um milagre, somente pelo fato de eu ter saído andando ao acaso pelas ruas da cidade?

O encontro casual dos amantes, deliberadamente não-combinado, faz brotar a fagulha surrealista (o amor louco e o acaso criativo) nessa Paris minuciosamente inventariada. (A edição da Cátedra, Madrid, 1992, é bem anotada por Andrés Amorós, e cheia de fotos das esquinas e cafés citados pelo autor).  A andarilhagem do intelectual argentino sem-tostão, à procura da estudante uruguaia que tem “um passarinho na cabeça”  e um filho pequeno, mostra o quanto essa cidade era para ele um tesouro de surpresas e de fatalidades:

“Em plena satisfação precária, em plena falsa trégua, estendi a mão e toquei no novelo de Paris, com a sua infinita matéria enrolando-se sobre si mesma, toquei no magma do ar e de tudo o que se desenhava na janela, nuvens e águas-furtadas; nesse então, não havia desordens; nesse então, o mundo continuava sendo algo petrificado e estabelecido, um jogo de elementos girando nos seus gonzos, uma madeixa de ruas e árvores e nomes e meses.”