terça-feira, 3 de maio de 2011

2546) As lições do frevo (3.5.2011)



Ao invés de comparar o forró com o forró-de-plástico, no entanto, ganharíamos muito comparando-o com o frevo pernambucano. Os gangsters que estão derrotando o forró não têm força contra o frevo. Por que? Eu diria que, por variados motivos, o frevo é uma comunidade musical unida, solidária e forte há mais de um século. Surgiu no meio urbano, entre comunidades suburbanas ligadas por uma profissão. O frevo surgiu de um movimento ao mesmo tempo espontâneo e organizado, popular e erudito. Popular pela origem social (classes trabalhadoras), erudito pelo grau de educação musical necessário para praticá-lo. Todo músico de frevo lê partitura desde cedo, e aprendeu a ler partitura tocando todos os clássicos do frevo, que são talvez milhares. O forró, por seu lado, brotou de comunidades rurais, distanciadas entre si, sem grande mobilização política ou social, sem uma preparação teórica e prática. O músico de forró típico é um autodidata, que toca de ouvido, sem ter passado por uma escola, e trabalha por conta própria.

O frevo se beneficia do fato de que as orquestras de frevo contam com grande número de músicos, dezenas às vezes, enquanto o forró se estilhaça em milhares de pequenos trios tocando na base do “cada um por si e salve-se quem puder”. O forró só teria a ganhar se hoje (estou dizendo hoje mesmo, no dia de hoje) houver uma ação coordenada entre os que o praticam (e os que gostam dele à distância, como eu) para que escolas de sanfoneiros sejam criadas e interligadas, ensinando a tocar por música. Quem é capaz de tocar por música toca qualquer coisa, e ganha liberdade para tocar o que quiser. A diferença de oportunidades entre um músico excelente que só toca de ouvido e um músico excelente que lê partitura é a mesma que existe entre um poeta excelente que não sabe ler nem escrever e um poeta excelente alfabetizado. Não se discute talento (e aliás talento não se ensina, não se planta, não se fabrica). O que se discute é: criação de oportunidades profissionais.

A melhor maneira do poder público comprar essa briga é dar aos forrozeiros, ao longo das próximas décadas, uma estrutura semelhante à que os músicos de frevo criaram para si próprios ao longo de um século, e que faz com que o frevo nunca pare de evoluir e ao mesmo tempo que clássicos de 50 ou 70 anos atrás continuem a ser tocados, a ser conhecidos e amados por todos. Centros Culturais públicos e privados, escolas de música, conservatórios, entidades rurais e urbanas, colégios público e privados, todos podem se reunir e traçar um projeto de ação que inicie agora o ensino da música, com ênfase no forró. Para que os garotos aprendam a tocar através das músicas de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro ou Dominguinhos, assim como os músicos de frevo aprendem tocando os grandes frevos dos anos 1930 e 1940. Querem lutar? Organizem-se. Como se diz no Rio: enquanto o crime organizado fôr mesmo mais organizado do que os que o combatem, a luta está perdida.