terça-feira, 7 de abril de 2015

3782) Definhamento (8.4.2015)



“Thinning” (“definhamento”) é o termo usado pelo crítico John Clute para exprimir o que ele considera um conceito essencial de grande parte da literatura de Fantasia. 

Para Clute (numa argumentação muito mais esmiuçada e cheia de fractais do que sou capaz de reproduzir aqui) a estrutura da história de fantasia básica é a existência de um estado inicial de equilíbrio, depois uma crise que pode ser de definhamento ou de outra vicissitude, e por fim uma arrancada final e uma redenção, mesmo que a um preço alto. 

No caso do horror, é um definhamento sem ruptura, uma queda sem volta nas mãos de forças que podem tudo. O horror é uma fantasia sem luz no fim do túnel.

Na Encyclopedia of Fantasy, Clute diz que muitas fantasias são “fábulas de recuperação”, ou de “restauração”.  O definhamento surge naquelas histórias dos reinos onde não chove mais, onde a rainha não pode ter filhos, onde o rei perdeu a força e a razão, onde algo precioso foi tomado de forma brutal, onde uma maldição recente ou milenar faz a terra regredir a diferentes tipos de entropia, etc.  

A entropia aqui é por minha conta, porque nada impede que uma história de fantasia também ilustre um processo científicamente explicável; não deixa de ser fantasia por isto.  Muitas histórias de fantasia mostram um reino enfraquecido à espera da chegada (ou do retorno) de um herói, ou de um visitante de fora que traga um sopro de energia a um povo que perdeu a vitalidade.

O definhamento não pode ser devido apenas a derrotas militares ou confrontos mal sucedidos com potestades cósmicas.  Pode ser o envelhecimento natural de uma terra, de um povo, que começa a se ver cada vez menos no mundo que criou. A perda dos poderes mágicos de uma civilização pagã, que lentamente dá lugar a uma visão-do-mundo dominante. Os gregos, os romanos, os árabes, a Europa ocidental, todos tiveram seu momento. 

Clute cita como exemplos de “thinning” a exaustão final dos poços de magia em The Farthest Shore de Ursula LeGuin (1972) e o retorno de Frodo a um Condado que não é mais o mesmo no final de O Senhor dos Anéis. (Aqui o verbete sobre “Thinning”: http://tinyurl.com/pq78ukq).

Nem toda fantasia tem que apresentar alguma forma de definhamento, imagino eu, é apenas algo muito típico, tal como a “jornada do herói” tão citada pelos roteiristas.  É uma história possível e uma estrutura mítica profunda. Elementos dramatúrgicos que correspondem a algum modo de sentir ou de devanear que não tem lugar nem época. Podem não ser ingredientes “sine qua non”, mas aparecem com tal frequência e peso que somos obrigados a levá-los em conta quando tentamos entender o espírito do gênero.