sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
2489) “O Discurso do Rei” (25.2.2011)
O arrastão do Oscar acaba me levando todo ano para ver alguns filmes que não me tirariam de casa em condições normais de temperatura e pressão. O que acaba sendo uma boa coisa, porque se deixarem um cinéfilo entregue ao seu próprio gosto ele vai se restringindo e se especializando cada vez mais. Em breve se limitará a ver somente um gênero, depois só um diretor, depois um único filme, depois uma única cena... Não, melhor deixar-se de vez em quando carregar pelo gosto alheio e dar uma checada no mundo lá fora.
O Discurso do Rei de Tom Hooper (diretor que nunca vi mais gordo) acaba sendo um exemplar agradável daquele gênero que Hollywood talvez tenha criado, O Antagonismo Inicial Que Resulta Em Amizade Profunda. O provável (e depois efetivo) Rei da Inglaterra, George VI, é gago. Como vai poder se dirigir ao seu povo, agora que inventaram o maldito rádio, onde o sujeito tem que falar ao vivo, não pode receber os benefícios de uma edição que suprima seus vacilos? (É curioso ver como os personagens de 1930 pronunciam com reverência e fascínio a palavra “wireless”, num tom que só retornaria com a Internet, 70 anos depois.) Ele contrata um especialista meio informal que é uma mistura de fonoaudiólogo, psicólogo e treinador de futebol. O especialista dá um sacode no Rei e deixa-o em condições de discursar.
Em termos de estilo e linguagem, é um filmão tão tradicional quanto os ambientes por onde circula: Palácio de Buckingham, Abadia de Westminster... Não sei se é fiel à “verdade histórica”, porque antes dele eu só conhecia os fatos muito por alto. O roteiro é cruel com o Rei Edward (que abdicou em favor de George) e com a desquitada norte-americana Wallis Simpson, pelo amor de quem ele renunciou ao trono. O retrato que o filme faz dela, especialmente, é de uma acidez impressionante. Tudo para contrapor melhor os temperamentos de Edward (expedito, resoluto, mas que baqueia diante de uma sirigaita) e de George (tímido, tartamudo, mas que se ergue à altura da situação quando necessário). Como dramaturgia emocional, funciona. A verdade histórica (seja lá qual for) acaba de ser recoberta por mais uma espessa camada de fantasia coletiva.
Colin Firth (o Rei) se sai muito bem, mas eu gosto mesmo é do ator Geoffrey Rush, com um personagem mais cheio de nuances do que o Rei, irreverente, pouco ortodoxo, mas também com suas limitações e pontos-cegos. Firth faz uma interpretação heróica de um personagem tecnicamente difícil (não é brincadeira gaguejar com espontaneidade, quando não se é gago) mas unidirecional. Rush pega um personagem que ninguém conhecia, ajudado por um roteiro perceptivo (a relação dele com a mulher e os filhos, mesmo pouco explorada, é bem interessante) e o enriquece. Nos filmes em que um especialista cura um problemático, em geral o especialista fica meio na sombra. É virtude do roteiro e de Rush que neste caso seja (pelo menos para mim) o contrário.
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