(ilustração: David Delruelle)
A imprensa tem me assediado, após a morte repentina e
inexplicável de André Moiré-Carrera, em busca de informações sobre meu amigo.
André era um maluco-beleza, se é que pode-se dizer isto de um nerd, fanático
por tecnologia da informação e pela obra do pouco celebrado Raymond Queneau.
Ficamos amigos por volta de 2000, quando em função de um evento literário em
São Paulo passamos quatro dias de farra num hotel da Faria Lima, às custas do
contribuinte paulistano. Ele já tinha o seu blog, o Inkosikaas; eu tinha o meu
Mundo Fantasmo, e passamos a conviver virtualmente. Depois daquela semana em São Paulo, vi-o apenas uma ou duas vezes.
E agora, isto. Ou
melhor, istos. A morte absurda de André
– e os acontecimentos inexplicáveis que vêm se sucedendo. Tentarei botar o
leitor em dia com a minha visão dos fatos.
André era basicamente um nerd, um cara que aos sete anos abria o console
do game para tentar melhorar a jogabilidade de um “shoot-‘em-all” qualquer.
Tudo dele tinha a ver com isso: no hotel vi-o lendo obras de Vilem Flusser e
Douglas Hofstadter. Era um leitor voraz
e um redator diabólico. Seus posts eram invariavelmente com menos de 50 linhas,
e eu levava dias para digeri-los por inteiro.
Morto André, textos seus começaram a aparecer na seção de
comentários no meu blog, no blog de todo mundo. Quem leu André Moiré-Carrera não esquece jamais; é como ler o Catatau de Leminski. Não há duas prosas como aquela. E agora ele brota do nada, comentando o que
postamos, fazendo as piadas de sempre, os trocadilhos infames.
Aventou-se a
hipótese de alguém da família: negativo. Um amigo, imitador? Negativo. Era de poucos amigos, e vivia, aos 30 e
poucos anos, comprovadamente só.
Lendo esses comentários, um calafrio me incomoda dos pés à
cabeça. É uma mente humana, que está recombinando essas frases e produzindo
argumentos, e se essa mente está viva ou não é irrelevante. Os jornalistas perguntam se se trata de
plágio, de hoax, e tudo que posso dizer é: André Moiré-Carrera criou o primeiro
vírus-fantasma da História, a primeira simbiose entre um vírus informático
auto-propagador e o resíduo vivo e sensível de uma mente humana que não tem
mais existência física.