Sotaque é uma coisa muito importante pro nordestino. Muitos fazem dele uma questão de honra, e se recusam a atenuar seja o que fôr. Outros, mal desembarcam na rodoviária do Rio, livram-se dele na primeira esquina, começando logo a dizer “Aê, galiéra!”. O sotaque está para o discurso oral assim como a roupa está para o corpo. Talvez não seja o que somos, mas é o que salta à vista, o que produz a primeira impressão, o que determina em que prateleira mental o nosso interlocutor vai nos colocar.
Pobre do filme ou da novela de TV feita no Sudeste que mexe com essa área tão sensível. Lembro como se fosse hoje de quando estreou a adaptação cinematográfica de A Bagaceira de José Américo. Pra começo de conversa botaram o nome do filme de Soledade, porque o título original não foi considerado “atraente”. E há uma cena em que a retirante sertaneja, faminta e sedenta, chega à porta de uma casa e pede: “A senhora poderia me dar um copo dágua?”, com o mais encantador sotaque ipanemense. O Capitólio veio abaixo. Isto incomodou os realizadores? Nem um pouco, e tinham razão. Só quem gargalhou foram os nordestinos. O resto do Brasil nem bateu a pestana.
Nas novelas da TV, mesma coisa. Não é por desatenção. Há pesquisadores, há gente que viaja de gravador em punho, registrando inflexões, regionalismos, modos de articular vogais e consoantes, etc. O problema é que os atores assimilam o que acham mais fácil, e o resultado final é uma salada. Vemos jagunços do sertão usando termos cearenses contemporâneos, ou pescadores do litoral cearense usando entonações que só se encontram no Recôncavo Baiano. E mesmo quando sotaque e ambiente se harmonizam, basta um mês de novela para ninguém aguentar mais a cantilena, porque uma pessoa real usa centenas de inflexões diferentes nas situações do cotidiano, e o ator fica preso às oito ou dez que, com as melhores intenções, conseguiu assimilar.
O carioca médio tem uma visão muito limitada do nosso linguajar – para ele, é “óxente bichim” (cariocas não dizem “ôxente”, é sempre “óxente”, não me perguntem por quê), “arretado”, “cabra da peste” (expressão que praticamente sumiu no Nordeste urbano) e só. Por outro lado, o nordestino acha que o linguajar carioca é um só (não é), e quando quer imitá-lo recorre um repertório igualmente limitado (e anacrônico): “podch crê”, “xará”, “pôxa”, etc. Conhecer o modo de falar de outras pessoas e de outras regiões é divertido, para quem presta atenção nessas coisas; e durante o processo, algo vai sendo assimilado. No Rio todo mundo diz que meu sotaque é carregado; mas quando chego na Paraíba, de vez em quando alguém observa que eu estou “chiando”, “falando carioca”... Procuro sempre usar a lei do menor esforço, falar da maneira que me é mais espontânea, mas por outro lado não quero ser como o português que foi morar na Alemanha e, anos depois, comentava: “Que povo burro! Dez anos que estou aqui, e ainda não aprenderam a falar português!”
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