sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

5150) Luís Custódio, 1950-2025 (7.2.2025)


 

 
A vida traz os amigos, a vida os leva. Para alguns milhares de paraibanos, Luís Custódio, falecido dias atrás, era o “professor Custódio”, que durante muitos anos formou gerações sucessivas de jornalistas nos nossos cursos de Comunicação. Vendo os obituários na imprensa, fiquei sabendo alguns detalhes de sua carreira que eu nem sabia. Cursos, títulos, pioneirismo no ensino... Nada me surpreendeu. 
 
Fomos da segunda geração do Cineclube de Campina Grande, a turma que em 1967 recebeu de Dorivan Marinho a documentação e o arquivo do CCCG, que estava então inativo, e o botou para funcionar. Éramos um grupo de garotos, todos com menos de vinte anos, “nerds” (a palavra não existia) que comiam, bebiam e respiravam cinema. 
 
Quando a primeira diretoria foi eleita, Custódio ficou como presidente e eu como secretário. Ele me disse depois da votação: “Você poderia ser o presidente, mas o problema é que você é muito tímido”. Eu disse: “Custódio, graças a Deus vai ser você, eu não gosto de assumir responsabilidades.” 
 
O deus-pequenino de Custódio era Michelangelo Antonioni, cuja famosa trilogia (A Aventura, A Noite e O Eclipse) ele deu um jeito de ver, não sei como, porque todos eram filmes “proibidos para menores de 18 anos”. Eram filmes castos, o sexo era implícito e fora de cena, mas aqui-e-acolá apareciam mulheres bêbadas dançando de forma provocante. Vai ver que era por isto a censura. 



(Cineclube de Campina Grande, 1967. Ao centro, o presidente Luís Custódio. Eu sou o de óculos. Foto: Jakson Agra. ) 

 
Apesar de não termos tanta-coisa-assim contra mulheres bêbadas dançando de forma provocante, o que nos atraía em filmes desse tipo, além das imagens (pouca gente usou o preto-e-branco tão bem quanto Antonioni) era o tema da “incomunicabilidade”. Éramos todos um bando de adolescentes tímidos, livrescos, hipopótamos, e não nos encaixávamos de jeito nenhum no modelo playboy da época. Para nós, era mais fácil dizer a uma garota que a sociedade tecno-burocrática canalizava a libido e os sentimentos para a produção de mais-valia do que perguntar se ela queria um sorvete.  
 
(Eu fui salvo pelo violão, a banda de rock, e depois os grupos de teatro.)  
 
Em termos de cinema de arte, Custódio era mais purista do que eu, e às vezes se escandalizava quando eu colocava Alfred Hitchcock num pedestal à mesma altura de Antonioni ou Ingmar Bergman.  Por outro lado, éramos militantes fiéis do cinema de Richard Lester, que para nós era tão moderno e inventivo quanto o de Godard. 
 
Colecionávamos todos os volumes da “Biblioteca Básica de Cinema” da Ed. Civilização Brasileira, e um dos grandes momentos da história do CCCG foi quando exibimos Rocco e Seus Irmãos de Luchino Visconti – depois de termos lido e relido o roteiro publicado na “BBC”. 

 


(Sede da União dos Moços Católicos, por trás da Catedral, onde funcionou o Cineclube de Campina Grande)

 
Outro grande momento foi quando, através de contatos que tínhamos no Rio de Janeiro, nos ofereceram a chance de exibir os curta-metragens premiados no “Festival JB/Mesbla”. Fizemos uma sessão cheíssima no auditório do Colégio das Damas (com convites impressos!). E não é preciso dizer que, fora a sessão oficial, exibimos vezes sem conta, em nossa própria sala, nossos filmes preferidos. (O meu continua sendo Telejornal de Oswaldo Caldeira, uma espécie de FC sobre cidade-abandonada-no-futuro, ao som de “A Whiter Shade of Pale”). 
 
Durante o ano de 1968, Custódio tomou conta da programação do Cine Distração (acho que era esse o nome), a sessão das 10 da manhã do sábado, que o Cine Capitólio adotou para seguir a moda lançada pelo Cine São Luiz, do Recife (acho que lá o nome era “Sessão Bossa Jovem”). Muita gente dizia: “Sábado de manhã? Não vai colar.” Colou. As sessões botavam gente pelo ladrão para ver os filmes que ele selecionava: A Fonte da Donzela de Bergman, O Processo de Orson Welles, A Bossa da Conquista de Lester... 
 
Este último ficou sendo uma obra-prima definitiva para nós. Não só pela linguagem leve, fragmentada, descontínua e absurdista, mas pelo seu tema – rapazes desajeitados e feiosos morrendo de inveja de um amigo que conquista todas as garotas. Porque éramos assim. Ficávamos sentados nos degraus do Estadual da Prata (no turno da noite), passava uma colega nossa, esvoaçando com todas as asas dos seus dezessete anos, e Custódio murmurava: “Eu sou meio apaixonado por essa menina”, e eu respondia baixinho: “Eu também”. 
 
Nunca estudamos na mesma turma – apesar de termos quase a mesma idade (ele era alguns meses mais velho): eu tinha perdido um ano no Ginásio, e ele estava um ano à minha frente. E foi um dos primeiros a arribar de Campina Grande para fazer vestibular no Recife, onde ficou durante muitos anos, estudando jornalismo, dividindo com alguns amigos um apartamento onde me hospedei de passagem mais de uma vez. 
 
O tempo continuou passando, eu casei, ele casou, ele virou professor, eu virei artista, o cinema nunca saiu da nossa cabeça.  Ele mergulhou muito profundamente nesse ideal de ensinar jornalismo, e aqui nem digo nada – basta ver as dezenas de depoimentos emocionados dos seus alunos, de quinta-feira para cá. Ser artista é muito bom, porque (dizem) faz vibrar o coração das platéias. Mas ser professor é algo muito diferente, é produzir uma vibração que acompanha aquele aluno ou aluna pelo resto da vida. Ter sido amigo de Custódio me consola um pouco de nunca ter podido ser aluno dele. 
 


(The Wild Bunch. Alguns remanescentes do CCCG, em 2015: Luís Custódio, Rômulo Azevedo, BT, Romero Azevedo.)





(Em 2017, no Bar do Baixinho)