sábado, 23 de novembro de 2013

3351) "Os Amantes da Ponte Nova" (23.11.2013)




Vi este filme (Os amantes da Pont Neuf, de Leos Carax, com Juliette Binoche) sem muita expectativa a não ser o fato de que Holy Motors, do mesmo diretor, foi talvez o melhor filme que vi no ano passado, e um dos mais desconcertantes dos últimos tempos. Os amantes... é de 1991 e conta a história de um casal de jovens sem-teto em Paris, que dormem na Pont Neuf, que está passando por uma reforma estrutural. Fechada ao trânsito, a ponte se torna algo tão isolado quanto um terreno baldio; como o forte do filme não é o realismo naturalista, não vemos um operário sequer trabalhando nos reparos. A ponte vive deserta, sem pedestres, sem interferências, e ali os personagens vivem sua vidinha: o junkie Alex, todo ralado, pé no gesso, muleta, cicatrizes de drogado pelo corpo inteiro, engolindo fogo na praça para sobreviver; Michelle, pintora que está ficando cega e rompeu com a família; e Hans, um velho que largou tudo para viver na rua com a esposa alcoólatra e agora, viúvo, acostumou-se àquilo.

É um filme menos surreal e mais linear do que Holy Motors, e acabou sendo o filme francês mais caro da época, porque o diretor teve que reconstruir cenograficamente a Ponte e os prédios em volta do rio. Durante todo o filme, Paris é um mero conjunto de figurantes passando ao fundo, meio fora de foco. O foco é todo nos sem-teto. O espaço onde Alex e Michelle vivem seus desencontros é uma espécie de ilha-da-fantasia; é patético quando, anos depois, eles marcam encontro na ponte, no inverno, e veem aquele local ocupado por carros, transeuntes, neve, como se tudo aquilo tivesse invadido o quarto de dormir dos dois.

Carax gosta de sequências longas, vagamente encaixadas na narrativa, que lhe permitem brincar com a câmara, a montagem e os atores, como numa sequência de fogos de artifício no céu, um passeio de lancha + esqui, e depois um longo plano dos dois correndo nus numa praia. O filme tem aquela sintaxe não-explicativa em que uma cena intrigante corta para algo completamente diferente como se nada tivesse acontecido. Os personagens são trancados, misteriosos, ressentidos, de modo que qualquer ação insólita que praticam (são muitas) parece natural, pois não sabíamos direito o que esperar deles. O diretor usa bem o recurso de eliminar todos os sons ambientes, com exceção de um (ou da música) para dar uma impressão de irrealidade, de alucinação. A vida dos moradores de rua mostra o tempo inteiro aspectos de sordidez e de liberdade, sem os clichês da crítica social, e só com uma ou outra escorregada num lirismo e num melodrama que lembram os filmes de Chaplin.