sábado, 31 de janeiro de 2015

3725) Os escritores pop (31.1.2015)



As flips, flibos, flipoços, fliportos e tantas outras festas literárias e bienais têm alvoroçado muita gente.  A imprensa achou a expressão “fenômeno midiático”. No movimento browniano em que se entrechocam as opiniões e os gostos, há duas aglomerações opostas. 

Há os que se entusiasmam com essa interatividade, porque seu temperamento os conduz para isto e o processo todo os favorece.  E há os que têm repulsa a um processo assim, em parte porque não foram talhados para ele, e em parte porque acham que ele favorece quem escreve mal.

O escritor deve somente escrever, arder o cérebro pela madrugada, como uma vela no altar da Musa? Ou pode também se entregar à política literária, à vida social, organizar-se em “escolas” e “movimentos”, inventar um “ismo”, colaborar na imprensa, meter-se em polêmicas, meter-se na política, cortejar a fama? 

É a antiga oposição entre Gustave Flaubert e Émile Zola, dois escritores de peso, amigos, que podem até ilustrar os polos opostos dessa discussão.  Flaubert era o sacerdote, Zola era o publicitário. Machado... e Alencar. Graciliano... e Jorge Amado.

Henry James tem um conto fantástico, “The Private Life” (1892) que conta (entre outras coisas bizarras, machadianas) sobre um escritor famoso, encontrado pelo narrador numa colônia de férias na montanha, e que não faz outra coisa senão conversar e entreter os admiradores, fãs, tietes em geral.  O narrador sobe até a suíte onde esse autor está hospedado e descobre que ele tem um duplo, um outro corpo igual ao original, que fica se esfalfando na escrivaninha, produzindo os textos que fazem a fama do primeiro.

Eu entendo perfeitamente que alguém que não goste de falar em público ou de viajar (eu gosto).  Por outro lado, não sei se eu teria disposição para autografar 500 livros ao longo de umas três horas, como já vi pessoas fazendo. Cada um pode ter recursos ou disponibilidades diferentes  para se aproximar do público, mas isso não importa. Ser autor é escrever e publicar.  E nenhuma propaganda de livro é melhor do que a de boca em boca.

O personagem de Henry James é uma variante do médico-e-o-monstro.  É o escritor-e-marqueteiro, que surge espontaneamente em certas culturas. Quem não sabe ser marqueteiro, fique escrevendo no quarto do hotel.  O quarto vai ficar cheio de folhas manuscritas, cheio até o teto. Algumas folhas acabarão sendo empurradas para fora, por baixo da porta.  Um vento as erguerá no corredor e as conduzirá flutuando até a  rua, até uma tipografia, onde alguém, quase sem perceber, fará daquilo um livro.  Se for um livro bom, é nesse momento que o jogo começa. Se o livro é ruim, é aí que o jogo acaba.