quarta-feira, 27 de agosto de 2014

3588) A gravidade e o poder (27.8.2014)



(foto: Jacob Sutton)

O Poder político e econômico exerce uma espécie de atração gravitacional sobre as pessoas. Umas parecem mais sensíveis a essa atração do que outras. Onde quer que estejam, aquilo começa a puxá-las irresistivelmente para cima, na direção dos postos de comando. Uma força irracional, inconsciente, que em muitos momentos chega a parecer involuntária. A pessoa parece pedindo socorro, veladamente. Ela não quer o Poder, mas é como se estivesse sendo empurrada para ele (que é na verdade o Abismo) por tudo que a cerca. Percebe-se isto naquele velho discurso com que alguns políticos anunciam uma candidatura: “Eu não queria ser candidato, porque não me sinto à altura de uma missão tão espinhosa, de um compromisso que exige alguém mais preparado do que eu, mas é uma exigência do meu partido, dos meus eleitores, dos meus companheiros de luta, e não possso me furtar a esse chamamento, não posso fugir a esse grande desafio...”  Parece jogador de futebol recitando aquela fala sobre objetivo e resultado.

No romance Os Portais de Anúbis, de Tim Powers, há um feiticeiro magicamente ligado à Lua por uma série de encantamentos e rituais. Isto faz com que ele seja fisicamente atraído para ela, e precise andar amarrado a um peso qualquer.  Se saísse solto ao ar livre, a atração o faria subir pelo ar rumo à estratosfera, e de lá “cair para cima” na direção da Lua.  Tem gente que é assim: parece estar sendo atraída pelo Poder, e sobe rumo a ele, esperneando, pedindo licença, pedindo desculpa, dizendo que não quer, dizendo: “É algo mais forte do que eu.” E é mesmo. Não é uma virtude que essas pessoas têm. É antes uma fraqueza.  O Poder precisa de pessoas como elas, pessoas que não têm forças para resistir a ele, que não têm um peso a que possam se amarrar para escapar à sua atração.

O Poder precisa de pessoas de olhar fixo e vidrado, capazes de sacrificar sua vida pessoal e emocional, seu tempo como pessoa, seu prazer, seu lazer, seu crescimento íntimo, para servir-lhe 24 horas por dia. “O Poder é um sacrifício, é um sacerdócio,” suspiram os poderosos, e é mesmo. Um sacerdócio vampírico que suga algumas almas deixando-as com um vazio central que alguns tentam preencher com fortunas promissórias, outros com drogas e orgias, outros com a paranóia exaltatória de que são mais iguais do que os iguais. Surgem os rituais do poder, as coroas, os tronos, os Versalhes, os jatinhos, as Swats de assessores. Para que serve isso tudo? Para dar àquela pessoa a ilusão de que tem poder. Essa pessoa é como aquele parafuso que acha que é ele quem está girando aquela chave de fenda e que está entrando por vontade própria naquela rosca.