(Eduardo Coutinho)
Tenho visto muitos documentários ultimamente, de curta e de longa metragem, e fico pensando nas pequenas coisas que fazem do documentário uma arte totalmente diversa da arte do filme de ficção. Nos festivais que envolvem filmes de ficção, por exemplo, dá-se prêmio para Melhor Ator, Melhor Atriz, etc. Prêmios cuja justificativa é óbvia: cabe aos atores e às atrizes encarnar a condição humana naquelas histórias, passar para nós toda a complexa urdidura de emoções em que a história se revela, e assim por diante. Se existem “prêmios técnicos” como Melhor Fotografia, Melhor Montagem e assim por diante, poderíamos dizer que os prêmios para os atores são os “prêmios humanos” de um Festival.
Pois quando existem documentários envolvidos, a coisa muda de figura. Ali não há atores, há pessoas de verdade relacionando-se com a câmara e mostrando, da maneira que podem e que o diretor orienta, a sua verdade pessoal. Sugiro, portanto, que nos festivais de cinema onde concorrem documentários seja criada uma nova categoria de premiação: Melhor Depoimento.
Porque, ao fim e ao cabo, muitos documentários bons não são outra coisa senão um longo e editado depoimento. Uma câmara e um gravador ligados, um cineasta sugerindo temas ou fazendo perguntas específicas, e um entrevistado que, no centro da imagem cinematográfica, revela seu rosto e sua alma, com todas as suas rugas e verrugas.
Em festivais recentes como o Cine-PE de Recife e o Cineport de João Pessoa vi filmes notáveis que nada têm de excepcional em sua fotografia, roteiro, trilha sonora ou qualquer outro quesito técnico, mas não obstante tornam-se grandes filmes devido às pessoas que prestam seu depoimento. São documentos humanos, centrados na pessoa dos entrevistados, e a competência da equipe se revela justamente em sua sabedoria de não interferir com piruetas ou malabarismos de câmara, de edição, etc.
Pessoas falando com intensidade suas verdades pessoais e contando suas histórias de vida podem resultar em grandes filmes com um mínimo de firulas de linguagem. Em casos assim, o que mais importa é saber escolher o ambiente e o momento, estabelecer com o entrevistado um contato fraterno e respeitoso que lhe dê liberdade total para falar e a segurança de saber que o que disser não será usado de forma leviana. Como exemplo de documentarista especializado nesta difícil arte da empatia e da confiança, posso citar Eduardo Coutinho (Santo Forte, Cabra Marcado para Morrer, Edifício Master, O Fim e o Princípio, etc.).
Quando um documentarista consegue esse grau de empatia, consegue fazer um grande filme quase sem tirar a câmara do lugar. O filme pode não ter brilhantismo técnico, mas tem qualidade humana, e muitas vezes um júri, comovido ou entusiasmado pelo que viu, sente-se parcialmente frustrado por não dispor de nenhuma categoria para premiar aquele filme, porque suas qualidades específicas não estão previstas na grade de premiação.