
Aqui no Brasil, uma das primeiras providências da Casa
Grande foi abrir uma capela pertinho da Senzala. Quando um povo domina e
escraviza outro, não basta destruir seus armamentos, é preciso destruir seus
deuses também. Os espanhóis queimaram milhares de códices maias, mas se fossem
os maias que tivessem invadido a Espanha teriam feito o mesmo com as catedrais
(os republicanos queimaram centenas delas na Guerra Civil). Hoje circula nas
redes sociais, numa campanha contra a evangelização forçada dos índios, uma
imagem orgulhosa de um jovem índio brasileiro dizendo: “Seu mito não é melhor
do que o meu”. O problema é que quem acredita em mitos acha sempre que mito é só
o dos outros – o seu é a verdade. A fórmula de toda crença requer pelo menos um
átomo de fanatismo, porque crer é ter certeza, e o fanatismo não passa de
certeza. Uma certeza ansiosa para se expandir, e que não aceita ser questionada
ou relativizada pela existência de certezas opostas. Não é preciso desprezar
nem odiar os fanáticos. Devemos apenas enquadrá-los, impor limites civis e
coletivos a sua atuação, impedir que infernizem a vida alheia com sua hipótese
de Paraíso. Podemos perdoá-los, porque é evidente que não sabem o que fazem.
Vejam bem – não falo dos caras que empunham archotes
acesos e enforcam gente. Falo dos
fanáticos pacíficos, cuja única arma é o altofalante na casa vizinha bradando
aleluias e hosanas. (Confesso que nessas horas quem tem vontade de empunhar archotes
e enforcar gente sou eu.) Alguém já disse que fanático é um sujeito que nunca
muda de opinião, nem de assunto. E vou mais além – é o cara para quem o simples
fato de você acreditar em algo diferente exige que você seja imediatamente
convencido a mudar de idéia. O quê? Não concorda com minha definição,
amigo? Beleza! Fique com a sua que eu fico com a minha.
Basta não tocar na minha campainha, e dar uma abaixada no som.