quarta-feira, 4 de setembro de 2013

3282) Hitchcock e Buñuel (4.9.2013)






Os dois pertencem à mesma geração (Hitch nasceu em 1899, Buñuel em 1900) e o cinema dos dois, apesar das enormes diferenças, tem alguns pontos em comum que vale a pena observar. 

Hitchcock revelou-se na Inglaterra e migrou para Hollywood, onde tornou-se aos 40 anos um dos maiores diretores do seu tempo. 

Buñuel era espanhol, fez cinema de vanguarda na França, trabalhou anonimamente anos a fio nos EUA, virou diretor profissional no México, voltou com mais de 60 anos à Espanha e à França para fazer uma série de obras-primas.

Ambos foram diretores da velha escola, dos roteiros minuciosamente trabalhados, que depois eram executados com rigor. Já vi atribuída a ambos a frase de que o verdadeiro trabalho criador se dá na fase do roteiro, e o resto é mera execução. 

Buñuel muitas vezes filmava apenas um “take” de cada cena (seu assistente chamava a isso “saltar do trapézio sem rede”). Hitchcock acostumou-se a filmar apenas as cenas que queria ver no filme, para evitar interferências dos produtores.

Ambos trabalhavam os atores como elementos da imagem e não tinham muita paciência com atores que queriam saber “as motivações íntimas dos personagens”. Buñuel dirigia quase bocejando. 

São famosas as discussões entre Hitchcock e Paul Newman em Cortina Rasgada. O diretor pedia que ele fosse até a janela, olhasse para fora e fechasse a janela com força. Newman insistia em saber por quê. Hitchcock ficava impaciente e dizia: “Não é da sua conta”. 

Pensavam na composição da imagem. Tratavam o ator como o coronel do sertão, que votava com a cédula dos moradores do sítio e quando um morador perguntou: “Coronel, em quem foi que eu votei?”, ele disse: “Cala a boca, rapaz, o voto é secreto”.

Ambos tinham como fantasia sexual personagens femininas louras, elegantes, aparentemente frias mas capazes de paixões intensas: basta pensar em Kim Novak, Sílvia Piñal, Grace Kelly, Catherine Deneuve, Tippi Hedren... Já vi num saite (que agora não consigo reencontrar) uma comparação magnífica entre as duas “cenas da torre” de El, o Alucinado e de Um corpo que cai. Eram homens fortemente reprimidos e discretos, cujos filmes são uma festa para os psicanalistas.

E gostavam da imagem chocante, inquietante, às vezes inexplicável: uma vaca em cima de uma cama de casal, um cadáver dentro de um monte de batatas, uma agulha de tricô enfiada num buraco de fechadura, um cigarro apagado num ovo frito, um urso à solta numa mansão vazia, uma invasão de pássaros através de uma lareira, uma cabeça humana pendurada num sino, pessoas escalando os rostos gigantescos de um grupo de estátuas, um ataúde deslizando sozinho pelo chão...