quarta-feira, 21 de novembro de 2012

3036) A Vida e os Tempos de Zeca Tattoo (21.11.2012)




(by Jim Burns)


Cap. 1 – De como José Ribamar Marinho foi criado num cortiço perto da Rua do Riachuelo, pai frentista, mãe doceira, irmãos eternamente gripados, cerveja no refrigerador, infiltração na cozinha, morcegos nas cumeeiras, dez rádios e dez TVs competindo em decibéis, odores orgânicos onipresentes, varal de roupas secando na sala, ladrilho solto no quarto onde ele guardava seus dinheirinhos até o dia em que a irmã pequena achou e rasgou sem saber o que era, e do portão para fora a Cidade se espalhando, campo de batalha, parque de diversões.

Cap. 2 – De como nas escolas públicas José Ribamar aprendeu a ler, escrever, fazer contas, colar na prova, dar dedadas, fumar no banheiro, quando brigar, quando correr, quando apelar para as autoridades. 

Cap. 3 – De como José Ribamar arrumou um bico numa oficina mecânica onde descobriu a importância de chegar na hora, a necessidade de ficar calado ao ouvir um esbregue, e a magia das máquinas e das mulheres só de calcinha.

Cap. 4 – De como José Ribamar num piscar de olhos tinha barba, pelo no peito, carteira assinada, uma coleção de HQs empilhada em cima do armário, e rachava com o pai o prejuízo da prole. 

Cap. 5 – De como José Ribamar, no consertar de motos alheias, deixou-se cooptar por metaleiros que agiam perto da Praça da Cruz Vermelha e desse dia em diante não tirou mais dos ouvidos o iPod que ganhou por um conserto de emergência em tempo recorde, e por onde recebia injeções maciças de trash metal, zombie metal, hellfire metal, meth metal e outras persuasões ritualísticas que tímpanos incréus seriam incapazes de distinguir umas das outras.

Cap. 6 – De como o mundo renasceu por inteiro aos olhos de José Ribamar quando dois amigos o levaram a um tatuador que lhe aplicou no bíceps, num demorado orgasmo sustentado a fumo, a imagem de um urso barbudo de punhal nos dentes pilotando um jet-pack flamejante em volta da Torre Eiffel.

Cap. 7 -  De como a partir desse dia Zeca Tattoo (pois este passou a ser o seu nome) transformou sua pele em seu diário, e gravou para sempre ali os fatos cruciais de sua vida e de suas circunstâncias, a briga de faca no bar de Berg, a primeira noite fazendo Baby Jean gemer, a colisão que explodiu três membros da tribo, a morte do pai, o título do Mengão, o apendicite que quase o leva, o primeiro filho, a eleição de Obama, o dia em que zerou Call of Duty, o incêndio do cortiço e as onze vidas que salvou, a noite em que tomou um ácido pra ver um eclipse da Lua e viu montanhas parindo, arranha-céus mastigando estrelas com as janelas, nuvens gotejando uma vodka pegajosa e açucarada, e em volta da Lua a boca de Baby Jean dizendo vem com tudo, vem.