quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

2475) “Método Prático da Guerrilha” (9.2.2011)



A guerrilha latino-americana já teve um charme, para os jovens, que os jovens de hoje são incapazes de compreender. Em primeiro lugar, naquele tempo havia um consenso difuso de que terroristas e guerrilheiros (considerados a mesma coisa) eram pessoas “do Bem”. Eram sujeitos idealistas, capazes de dar a própria vida para combater as injustiças sociais. Como vivíamos numa ditadura, tínhamos (nós, adolescentes naquela época) a noção de que a única opção moralmente correta era ficar a favor dos inimigos da ditadura (e tínhamos razão). E havia o aspecto literário. A guerrilha era excitante, era perpassada de aventura, de romantismo. Era uma conjugação perigosa entre doutrinação marxista e aquela valentia meio suicida desses caras que fazem Camel Trophy ou Rally dos Sertões. E nós, pobres nerds cheios de óculos e de espinhas, tínhamos uma inveja permanente desses sujeitos que, além de assumirem a tarefa de mudar o mundo, não tinham medo de levar tiro.

A guerrilha venceu em Cuba, talvez porque o regime de Fulgêncio Batista já estivesse mesmo caindo de podre; talvez até uma passeata de seminaristas o tivesse derrubado. Mas a vitória de Fidel Castro e Che Guevara alastrou uma fogueira de pequenas guerrilhas mundo afora. Infelizmente, Guevara estava para a Revolução assim como Orson Welles estava para o cinema: estreou com seu maior triunfo, e daí em diante foi uma “pisa” depois da outra. O romance Método Prático da Guerrilha de Marcelo Ferroni (Companhia das Letras, 2010) faz uma reconstituição da última aventura do Che, na Bolívia, onde acabou assassinado.

Se a juventude de algum país começar a ter sonhos guerrilheiros, acho que basta ao Governo distribuir milhares de cópias deste livro para dissuadi-los. Não pode haver retrato mais trágico e patético do que a descrição do Exército Brancaleone chefiado pelo Che na selva boliviana. Dezenas de homens esquálidos, desnutridos, esfarrapados, brigando o tempo todo entre si, assaltando as choupanas de camponeses famintos, vítimas de diarréias permanentes, emboscando soldados tão inexperientes quanto eles próprios, travando combates caóticos, e sendo dizimados “pelas beiras”, pouco a pouco, a cada confronto. Li em 1971 o diário Che Guevara na Bolívia (uma edição brasileira provavelmente clandestina), e fiquei com uma idéia meio depressiva sobre o que significava ser guerrilheiro. O livro de Marcelo Ferroni, escrito quase todo num presente do indicativo seco, factual, distanciado, faz parecer juvenis e românticos textos como Bar Don Juan de Antonio Callado ou Reunião de Julio Cortázar.

É difícil separar o café do leite, saber o que é fato pesquisado (o autor refere-se indiretamente, sem maiores detalhes, a relatórios militares, biografias, memórias dos guerrilheiros) e o que é a inevitável invenção ficcional de personagens, peripécias, emoções, diálogos. É a história cruel de alguém que acorda de um sonho e descobre que está num pesadelo.