quinta-feira, 21 de novembro de 2013

3349) Os cordéis de Pepys (21.11.2013)






Quando o inglês Samuel Pepys (1633-1703) faleceu, deixou uma imensa e bem cuidada biblioteca de mais de 3 mil volumes, uma das maiores de seu tempo (a coleção está hoje em Magdalene College, Cambridge). 

No meio daquilo tudo, inclusive raríssimas primeiras edições da época, havia uma coleção de mais de 1.800 baladas populares (letras de canções impressas de um só lado, em papel barato, como também se usou no Nordeste) e 115 folhetos de cordel (chamados “chapbooks” na Inglaterra). 

Pepys foi membro do Parlamento e Secretário Naval da Inglaterra; era um homem culto e influente. E tinha curiosidade pelo fervilhar cultural de seu tempo, inclusive a chamada literatura popular, além de admirar as soluções gráficas desses folhetos e baladas. 

Os 115 “chapbooks” colecionados por ele foram alvo de uma antologia organizada por Roger Thompson (Samuel Pepys’ Penny Merriments, New York, Columbia University Press, 1977)

Os chapbooks de Pepys são livros pequenos, em torno de 8,5 por 14 cm, enquanto nosso cordel mede cerca de 11 por 16. As ilustrações são em xilogravura; na Inglaterra, espalhadas ao longo do livrinho, enquanto que no Nordeste há uma só, na capa. E os chapbooks ingleses eram geralmente em prosa, enquanto quase a totalidade do cordel brasileiro é em verso.

Thomas divide a coleção de Pepys em oito temas. 

1) “História”, incluindo eventos históricos, lendas, vidas de personagens como Henrique VIII ou Robin Hood. 

2) “Mágica”: textos sobre crendices populares, quiromancia, astrologia, previsões do futuro, personagens como o Pequeno Polegar (Tom Thumb) ou o Dr. Fausto.  

3) “Crítica social”: condenando o alcoolismo, a vadiagem, a mendicância, o uso errado da terra, a usura, o falso moralismo.  

4) “Namoro”: regras de conduta e etiqueta para os namorados, e conselhos para o casamento e a administração do lar. 

5) “Gracejos e piadas”, semelhantes às nossas coletâneas de anedotas em almanaques e revistinhas.  

6) “Guias práticos”, com instruções culinárias, farmacêuticas e para outros tipos de necessidade cotidiana. 

7) “Histórias de malandros”, que têm um apelo universal e são, ao seu modo, precursores dos nossos cordéis sobre Pedro Malazarte, Cancão de Fogo, etc. 

8) “Relações conjugais e extra-conjugais”, histórias maliciosas de adultérios, traições, situações equívocas, numa linguagem cheia de duplos sentidos, ou claramente de encontro aos padrões de moral da época.

Havia cordel (ou “romanceiro popular”) na Inglaterra, na França, na Espanha, em Portugal, em todo canto. É o encontro entre as histórias simples da memória coletiva e a impressão barata de um livrinho cujo preço, uma moedinha, até os pobres podem pagar.