sexta-feira, 4 de novembro de 2016

4176) Do Not Go Gentle Into That Good Night (4.11.2016)






Este é o título de um poema do galês Dylan Thomas (1914-1953), diz-se que escrito em 1947, publicado em 1952, o mesmo ano em que morreu o pai do poeta, após uma longa doença.

DO NOT GO GENTLE INTO THAT GOOD NIGHT

Do not go gentle into that good night, 
Old age should burn and rage at close of day; 
Rage, rage against the dying of the light.


Though wise men at their end know dark is right, 
Because their words had forked no lightning they 
Do not go gentle into that good night.


Good men, the last wave by, crying how bright 
Their frail deeds might have danced in a green bay, 
Rage, rage against the dying of the light.


Wild men who caught and sang the sun in flight, 
And learn, too late, they grieved it on its way, 
Do not go gentle into that good night.


Grave men, near death, who see with blinding sight 
Blind eyes could blaze like meteors and be gay, 
Rage, rage against the dying of the light.


And you, my father, there on the sad height, 
Curse, bless me now with your fierce tears, I pray. 
Do not go gentle into that good night. 
Rage, rage against the dying of the light.



Aqui, o próprio Dylan Thomas (que deixou numerosas gravações de sua obra, em disco) recita o poema:

“Do Not Go Gentle...” foi citado no filme Interstellar de Christopher Nolan (2014). Aqui está um trecho:

Aqui, uma bela interpretação de Michael Sheen:

Depois de ver o filme de Nolan em dezembro passado, comecei a fazer uma tradução do poema, que submeto aqui ao julgamento dos coevos e quem sabe dos pósteros.

O poema foi composto no estilo de vilanela (villanelle), um poema de forma fixa, com cinco tercetos e uma quadra, num total de 19 linhas. O primeiro terceto fornece dois versos que se repetirão como refrões, um deles encerrando a segunda e a quarta estrofes, e o outro encerrando a terceira e a quinta.  Os dois são os versos finais do quarteto e do poema inteiro.

Essas duas linhas são a medula dessa forma de poema. Elas começam próximas, cruzam o poema alternando-se uma à outra, e no final estão juntas.

Além de Thomas, há algumas belas vilanelas escritas por Sylvia Plath, Edwin Arlington Robinson, Elizabeth Bishop, James Joyce e muitos outros.

Minha tradução:


NÃO SIGA MANSAMENTE PARA ESSA NOITE EM PAZ

Não siga mansamente para essa noite em paz. 
Os velhos deviam arder e festejar, no fim do seu tempo.
Esbraveje, esbraveje contra a luz que se vai.

Embora homens sábios descubram o bem que a treva traz,
suas palavras não raiaram relâmpago algum, e eles
não seguem mansamente para essa noite em paz. 

Homens bons lamentam, nos seus impulsos finais,
que seus feitos não brilhem sobre as ondas verdes;
esbraveje, esbraveje contra a luz que se vai.

Homens rebeldes, que arrebataram o sol em cantos fatais
mas só viram depois o quanto o fizeram sofrer,
não seguem mansamente para essa noite em paz.

Homens graves, à morte, vendo as luzes finais,
com olhos cegos alegres pelos meteoros que arderam,
esbravejam, esbravejam contra a luz que se vai.

E você, meu pai, que já se eleva para os seus umbrais,
que suas lágrimas me sirvam como maldição e bênção.
Não siga mansamente para essa noite em paz. 
Esbraveje, esbraveje contra a luz que se vai.


Comento de vez em quando que traduzir poema de forma fixa é dormir de cobertor curto; sempre ficamos devendo em algum aspecto.  Podíamos dizer também: é como cortar um orçamento já de si enxuto.

Dependendo do poema, podem servir como critério dessa fixidez, dessa “contrainte”, aspectos como: 1) extensão da linha (longa ou curta); 2) número de sílabas obrigatório em certas linhas, ou em todas; 3) acentuação interna em sílabas obrigatórias (como o martelo nordestino); 4) rimas no final dos versos (em alguns ou todos); 5) rimas internas; 6) presença de linha-refrão ou de estrofe-refrão; e por aí vai.

Procurei manter a rima num sonoridade próxima, substituindo o “night / light” por “paz / vai”.  Na linha do meio de cada terceto original a rima fixa é “...ay”;  Substituí por rimas variadas com a tônica em “ê” ou “en”.  Acho que não fica feio.

No caso da vilanela, parece não haver uma obrigatoriedade de usar sempre o mesmo metro. Pelo menos um dos exemplos que citei usa versos de seis sílabas. O de Dylan Thomas é um decassílabo básico. Um tipo de verso que em inglês pode resultar em linhas como esta, da estrofe final: “Curse, bless me now with your fierce tears, I pray”, dez sílabas, dez palavras. Vá fazer isso em português, dizendo a mesma coisa.

O decassílabo do título me parece a frase geratriz do poema inteiro.  Optei por manter o verso de dez sílabas como cadência inicial, alongando o verso quando necessário, para a imagem não se perder.

Manter isomorfismo com o original, preservando sentido, tom, faixa de vocabulário e tudo o mais é algo aparentemente impossível, mas alguém sempre consegue, de vez em quando. Mas assim como em certas traduções sacrificamos o sentido e a imageria do poema à marcação métrica e rímica, podemos em outra tentativa experimentar o inverso disso, desde que a gente sinta que está pelo menos se mantendo perto do poema original.

É mais ou menos a opção apontada pelo tradutor Álvaro Faleiros, que já citei noutro artigo, quando sugere:

“O ritmo do poema não se devia apenas à distribuição acentual do verso, mas (...) a sintaxe, o léxico e o encadeamento das idéias eram tão determinantes quanto a rima e a métrica. Desde então, tenho procurado inverter a famosa máxima de Haroldo de Campos, para quem a tradução deve ser isomórfica (ou paramórfica) e o sentido deve ser uma ‘baliza demarcatória’. No jogo de perdas e ganhos da tradução, estou tentando tratar os aspectos formais como ‘baliza demarcatória’ e fazer da sintaxe e do encadeamento de imagens o meu ‘topo’”.