domingo, 8 de fevereiro de 2015

3732) O escritor e a mãe (8.2.2015)



(Cortázar e sua mãe)


“Momma boy”, filhinho-da-mamãe, há expressões igualmente desdenhosas em qualquer idioma.  Foi feita para aplastrar aquele menino assustado ou impertinente que não larga a saia materna, e o máximo de independência que ganha ao crescer é uma certa autonomia para chantageá-la e extrair o que quer.  

Porém são igualmente numerosos os casos de meninos criados na órbita de uma matrona e que se tornaram, se não grandes homens, pelo menos grandes artistas (o que, pelo menos pra mim, parece melhor negócio.)

Penso em Julio Cortázar, cujo pai sumiu por completo quando ele tinha cinco anos.  Quando o filho estava famoso, o velho escreveu-lhe pedindo que por gentileza se assinasse “Julio Florencio Cortázar”, para que não fossem confundidos um com o outro. Ele respondeu: “Querido senhor, nada sei do senhor, espero que esteja muito feliz, mas eu vou continuar assinando Julio Cortázar”. 

John Lennon reagiu com mais acidez ainda, quanto o pai o procurou depois da fama; mas Lennon não teve por muito tempo “a virtude de dormir entre dois seios”, como versejou Lourival Batista.  A mãe morreu atropelada quando ele era ainda garoto, mas a preferência afetiva por ela sempre foi muito clara em tudo que ele escreveu.

Penso em Cornell Woolrich, o rei do “roman noir” levado ao cinema (A Sereia do Mississipi, A Noiva Estava de Preto, Janela Indiscreta, etc.). Pais separados; ele ao que parece era gay, teve durante 3 meses um casamento frustrado e depois viveu num hotel com a mãe até a morte dela, quando ele tinha 54 anos. Bebeu até apagar.

Raymond Chandler, que nunca conheceu o pai (alcoólatra, como ele viria a ser), e cuidou da mãe até os 35 anos, quando ela morreu. Meses depois ele casou-se com Cissy Pascal, 18 anos mais velha, e cuidou dela até a morte. 

Não muito diferente foi a trajetória de Jorge Luís Borges, que após a morte do pai cuidou da mãe, D. Leonor (cuidou é eufemismo para “foi cuidado por”).  Teve também um casamento mal sucedido e voltou para morar com a mãe até a morte dela aos 99 anos, quando ele próprio tinha 75. 

Todos parecem ter feito tudo isso em parte pelo bem delas e em parte para si mesmos.  Pode ser imaturo, mas essa convivência gerou talvez um canal de entendimento que foi bom para a literatura de cada um.  

Mas talvez nenhum deles tenha tido o espírito arlequinesco e lúdico que Sartre afirma (As Palavras) ter experimentado na infância ao lado da mãe, que enviuvou muito jovem, o que gerou entre ela e o filho uma convivência de cúmplices numa família dominada por um avô tonitruante; ela e o menino partilhavam passeios, filmes, pequenas aventuras de gente sem culpa que se diverte com bem pouco.