sexta-feira, 7 de março de 2008

0084) A arte do anagrama (28.6.2003)




Falei dias atrás sobre a arte do palíndromo, que é primo do anagrama. 

Um palíndromo é uma frase ou palavra que, lida de trás para diante, é a mesma coisa. Um anagrama é uma frase ou palavra cujas letras são misturadas, formando uma frase diferente. 

Talvez o anagrama mais famoso de nossa língua seja o nome IRACEMA, que, reza a lenda, José de Alencar formou a partir das letras de AMÉRICA. 

Anagramas serviram muitas vezes como pseudônimos literários. Bocage, cujo primeiro nome era Manoel, adotou o pseudônimo de Elmano; e François Rabelais assinou-se às vezes como Alcofribas Nasier.

Como o jeitinho brasileiro já existia mesmo antes do Brasil existir, os anagramatistas da antiguidade permitiam-se algumas liberdades na transposição de letras, como fazer equivaler o “U” e o “V” (traço característico da escrita romana), ou o “I” e o “J”. O que não muda, no entanto, é a contagem: se na frase original a letra Q aparece cinco vezes, tem que aparecer cinco vezes na frase resultante.

A maioria dos anagramas só têm a ver com o nome original por uma forçação de barra no raciocínio: “Humberto Castelo Branco” resulta em “Combater contra esbulho”, e “Carlos Lacerda” nos dá “Calor de lascar”. 

No entanto, muitos praticantes desta arte procuram descobrir, entre os anagramas possíveis de um nome, algum que pareça revelar uma verdade oculta, uma profecia, uma premonição. Nada mais adequado do que o nome “Clint Eastwood” resultar em “Old West action”; muitos maridos ingleses entenderão que “mother-in-law” (“sogra”) resulte em “woman Hitler” e “William Shakespeare” nos dê “We all make his praise” (“Nós todos o elogiamos”). Quem procura, acha. 

No meu próprio nome achei a frase “Tu és ar, bar, viola”, e não consigo pensar numa auto-descrição melhor do que esta.

Não se deve, contudo, levar a coisa longe demais. Um francês chamado André Pujom descobriu em seu nome “pendu à Riom” (“enforcado em Riom”), e acabou cometendo um crime e sendo enforcado naquela cidade, num desses casos de profecia que cumpre a si mesma. 

O misticismo associado a esta arte parece advir dessas coincidências. Será coincidência que as letras de The Life and Adventures of Nicholas Nickleby resulte em “Fine tale; find thou a novel by Charles Dickens” (“Bela história; descubra um romance de Charles Dickens”)? 

Daí que os interpretadores de Nostradamus, usando esta arte combinatória, encontram em suas Centúrias profecias para tudo, desde a ascensão dos Sex Pistols até o resultado da Batalha do Riachuelo. Os cabalistas fazem isto há séculos com o texto hebraico da Bíblia, e ainda não pararam, como prova o recente best-seller O Código da Bíblia.

Os computadores aceleraram enormemente a penosa tarefa da transposição de letras, e hoje é possível achar na Internet saites dedicados a fornecer anagramas (em inglês) para qualquer palavra ou frase. Confiram em http://www.anagramgenius.com/server.html, e http://www.wordsmith.org/anagram/index.html.






Um comentário:

Fraga disse...

Muito bom. A pequena bíblia do assunto, vc sabe, é o Howard Bergerson's Palindromes and Anagrams. De lá, cito duas pérolas que adoro: Anagrams = Magna Ars / Actors = Co-star. Abrrr!