terça-feira, 5 de julho de 2011

2600) Raymond Roussel (5.7.2011)




A literatura excêntrica é aquela produzida pelo que chamo de talentos fora-de-esquadro, aqueles escritores cuja personalidade única, mesmo que desorientada, meio demente, etc. confere a sua literatura um poder revelatório especial. 

(Quando consideramos estes autores, os critérios da técnica literária e da estética não podem deixar de ser levados em conta, claro, mas ao mesmo tempo não podem ter o mesmo peso que têm quando analisamos a obra de um artista convencional, não-excêntrico.

((Um bom exemplo de artista excêntrico foi Raymond Roussel, 1877-1933, contemporâneo dos surrealistas, que publicou meia dúzia de livros de poemas extremamente convencionais na aparência, mas obedecendo a regras de composição levemente absurdas. 

(((Roussel gostava, por exemplo, de encher seus textos de parênteses, e de novos parênteses dentro dos primeiros, o que tornava suas narrativas uma série de “bonecas russas”, umas dentro das outras; é o que ocorre no famoso Novas Impressões da África.

((((Outra técnica sua era pegar duas frases que soavam quase iguais, mas com sentido diferente, como “uma revista” e “um arrivista”; ele iniciava o texto com uma delas, e ia aos poucos fazendo a narrativa incluir elementos da próxima frase, até concluir o texto com ela. 

(((((A técnica dos parênteses era um tipo de “linguagem encapsulada" que encantou os surrealistas, os estruturalistas, e mesmo escritores de FC como Ian Watson, que a usou como inspiração para o romance The Embedding, um dos poucos livros de FC em que a Linguística é a ciência que serve de inspiração.)))))

Roussel usava esses processos sem se preocupar muito em saber se o leitor iria achá-los fáceis ou difíceis; era um desses sujeitos que escrevem para si mesmos, sem ligar muito para a humanidade. Era muito rico, mimado pela mãe, homossexual, ultra-sofisticado, um típico dândi do período desnorteado que a Europa viveu após a I Guerra Mundial.)))) 

Em seu livro Como Escrevi Alguns dos Meus Livros, ele descreve esses métodos, dá exemplos e faz comentários gerais sobre sua literatura. Ele comenta inclusive uma espécie de crise mental que teve ainda muito jovem, quando julgou que era um gênio e escreveu seu primeiro livro numa espécie de delírio; o fracasso do livro quase o enlouqueceu.)))

Roussel viajava pelo mundo sem sair de dentro da cabine do navio; dizia que os únicos lugares interessantes do mundo estavam dentro de sua própria cabeça. Parecia ser um desses sujeitos que num instante estão no limite entre a normalidade e a excentricidade, e minutos depois no limite entre a excentricidade e a loucura.)) 

Qual o interesse, então, de uma literatura feita apenas para satisfazer caprichos de um escritor meio adoidado? Talvez eles sirvam como imagem ampliada dos processos da criação.) 

O escritor fora-de-esquadro tem as mesmas imprevisibilidades dos demais, só que no seu caso são elas que assumem o volante da criação literária.