Um dos deslumbramentos e dos pesadelos do mundo de hoje é a facilidade com que um texto pode ser acessado, recolhido, reproduzidoe passado adiante na Internet, a custo zero em termos de matéria prima. Pobres dos escritores que passaram a vida pensando numa velhice confortável, ao som do tilintar contínuo dos direitos autorais de suas obras. Literatura em breve vai ser algo acessível gratuitamente, como o oxigênio.
As novas técnicas mudam nossa relação com o tempo. Imagino que na Idade Média preparava-se um livro com a mesma disposição de espírito de quem constrói uma casa. Um escriba como os de O Nome da Rosa, ao começar uma nova cópia da Bíblia, sabia que muito tempo ia se passar até alguém ler o produto final.
Uma coisa como um jornal diário era impensável na Idade Média. Não é que fosse tecnicamente impossível. Posso imaginar um grupo de monges medievais redigindo e copiando páginas manuscritas de texto, todo fim de tarde, sobre fatos ocorridos ou assuntos discutidos naquele dia. Outros monges passariam a noite inteira costurando essas páginas umas às outras, para vender na manhã seguinte o Diário do Mosteiro ou coisa parecida. A questão é: para quê? Vender a quem? Quem iria se interessar em comprar todos os dias um calhamaço de irrelevâncias como esse? Quem teria alfabetização? Quem teria dinheiro?
O hábito de ler jornais todos os dias (que no meu caso, pelo menos, é mais arraigado do que o de fazer refeições) é uma invenção cultural. Quando é possível produzir quantidades industriais de textos, é preciso convencer alguém a consumi-las. Depois que a imprensa tomou conta da Europa, tinha até literatura de cordel ao alcance do bolso (e da instrução) de operários urbanos e de camponeses.
Antes, só os jornais diários eram capazes de redigir um texto e fazer com que fosse lido por milhares de pessoas poucas horas depois. Hoje, qualquer dono de saite ou de blog, com boa divulgação, faz isto. Os críticos da Internet dizem que é impossível ler tudo que aparece na Web. E daí? Há duzentos, há cem, há cinquenta anos era também impossível ler todos os jornais de papel. O importante não é que leiamos tudo, é o fato de que agora podemos ter acesso a qualquer coisa.
Além disso, esse imenso ciber-organismo tem uma vocação (podemos dizer mesmo que é sua função principal) de interagir consigo mesmo, avaliar constantemente o que está sendo feito, evoluir sabendo como e para quê. A essência da Internet é feedback, é interatividade, e ela está criando um tipo de consciência coletiva que não existia antes. A Internet intensificou nossa noção do momento presente, e isto se expressa neste termo tão poético, “tempo real”. Certa vez, ouvi um carioca explicando para outro o que era o repente dos violeiros nordestinos: “Cara, eles fazem o verso em tempo real!” Obrigado, Internet. O único tempo real é mesmo o presente. Viva o improviso.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário