quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

2433) Cada qual sua auto-ajuda (22.12.2010)




No curto espaço de algumas semanas conversei com duas amigas que estão aderindo aos livros de auto-ajuda. Numa livraria, encontrei com Margarete (nome fictício, para proteger-lhe a identidade) e sentei para um café de meia-hora. Falamos da meteorologia, da vida em geral, e fomos comparar os livros que tínhamos comprado. Ela estava lendo algo que se intitulava (acho) Você não pode parar a chuva. Peguei, constatei a capa, folheei com o polegar e perguntei: “Presta?...” Ela deu uma banguela de dez minutos. Estava comprando o livro para presentear uma amiga; era o quinto exemplar que comprava naquele mês, porque aquele livro tinha mudado sua vida. “Harmonia é a palavra chave”, disse ela, “harmonia com o universo, com o fluir as coisas, com a mudança das estações, harmonia com o tempo. Descobri que eu precisava perder o inconformismo com a realidade. Parar de dar murro em ponta de faca. Fluir com a correnteza, cê tá entendendo? Em vez de nadar, tornar-se uma coisa só com a correnteza”. Foi nessa pisada por um tempão e fiquei olhando para ela. “Claro, Margarete”, falei, “eu acho que cada um tem que encontrar justamente isso: sua harmonia interior”. Ela agarrou minha mão com os olhos brilhando: “Você entendeu tudo!”.

Tempos depois pego o metrô e sento ao lado de Gertrudes, que não via há tempos. Fomos falando uma coisa e outra, até que ela sacou um livro da bolsa. Creio que se chamava A Vida é sua... se você quiser. E ela começou também a pregar para mim as qualidades do livro. Falou que tinha deixado de ser uma pessoa acomodada, passiva, complacente. Que o livro lhe ensinou a criar oportunidades ao invés de esperar que aparecessem; a impor suas próprias condições antes que os outros impusessem as deles; a defender seus interesses numa negociação ao invés de já começar buscando uma solução que conviesse aos dois. “Cada pessoa entra numa disputa pensando 100% em si”, disse ela; “eu entrava pensando 50% em mim e 50% no outro, então estatísticamente estava perdendo pelo placar de 75 a 25%”. Falou que agora “botava pra quebrar” (ela é advogada) e que há seis meses não perdia uma causa.

Vejam só o que é a vida. Porque esta Gertrudes sempre foi (aos meus olhos) a pessoa mais batalhadora e argumentativa que eu já vi; enquanto que Margaret é (sempre foi) uma menina zen, contemplativa, do tipo que fica olhando uma laranja amadurecer. E agora eu encontrava cada uma delas atribuindo a um livro miraculoso um conjunto de qualidades que eu, mero observador imparcial, já via nelas há anos. Imaginei como seria a reação de cada uma delas se lesse o livro da outra; se iriam sentir que aquele outro livro lhes seria benéfico. Pensei depois que existem dois tipos de livros de auto-ajuda: os que mudam nossa vida, quando estamos precisando, e os que simplesmente nos fornecem uma receita, com assinatura ilustre, para um remédio que já tomamos por conta própria desde que botamos o pé no chão do mundo.