domingo, 29 de janeiro de 2012

2779) A prova do real (29.1.2012)




(Bertrand Russell)

Distinguir entre o que é e o que não é real é, para os filósofos, um problema insolúvel e um passatempo inesgotável. 

É também um dos motivos que levam o cidadão comum, que lê jornal e anda de ônibus, a torcer o nariz para a atividade filosófica, que ele considera uma mistura de enxugar gelo e chover no molhado. O cidadão acha que não há motivo para ficar discutindo se o mundo existe, uma vez que se o mundo não existisse os próprios discutidores do assunto não estariam ali para discuti-lo. 

No passado, o Bispo Berkeley foi um dos grandes defensores do idealismo, da teoria de que o mundo existe apenas como uma idéia, uma espécie de alucinação consensual, dentro de nossas cabeças. Tudo é ilusão, dizia Berkeley. Seus detratores replicavam: “E no entanto o Bispo tem o saudável costume de entrar em sua residência pela porta, e não através da parede”.

Martin Gardner relata um debate divertido entre os filósofos Bertrand Russell e Rudolf Carnap, na Universidade de Chicago, sobre o “phaneron”, o mundo das percepções e dos fenômenos. 

O “phaneron” é tudo que vemos, tocamos, e sentimos; um conjunto de percepções. Nunca conseguiremos provar (ou desmentir) de maneira irrefutável se o que julgamos perceber existe de fato. Só sabemos do universo o que nossos sentidos nos revelam, mas eles podem estar enganados. (Só sabemos disso quando somos vítimas de uma alucinação, um delírio, etc.; desse dia em diante aprendemos a desconfiar do que vemos.)

No meio do debate, Bertrand Russell fez a Carnap a pergunta: 

-- Nossas esposas estão presentes aqui no auditório. Será que elas existem, de fato, ou devem ser consideradas meras ficções lógicas baseadas em regularidades existentes no phaneron de nós dois, seus maridos?

Comentando essa pergunta depois com Gardner, Carnap queixou-se: 

-- Mas não é disso que se trata.  

De fato, os filósofos não afirmam que o mundo não existe. Eles acreditam na existência do mundo, de suas esposas (!) e tudo o mais. Eles apenas gostariam de ter uma prova filosófica, ou seja, uma prova argumental, de que isto em que acreditam é uma verdade; e tal prova não existe.

Essa questão, antiga como o mundo, é talvez a questão mais importante do mundo. (Talvez não seja apenas a mais urgente – aí estão as guerras, as desigualdades sociais, etc., com muito mais urgência.) 

É a mais importante por ser a questão mais total, mais abrangente: ou tudo existe, ou tudo é ilusão. Todos nós já tivemos sonhos intensamente vívidos, que nos deram, enquanto duravam, uma intensa impressão de realidade. Como qualquer um de nós pode ter certeza de que não está sonhando, no momento em que escreve (ou que lê) estas linhas?