quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

3054) O homem dourado (12.12.2012)




(Philip K. Dick)


Jorge Luís Borges perguntou-se certa vez por que motivo somos capazes de lembrar um fato ocorrido 50 anos atrás e não somos capazes de prever outro que acontecerá daqui a dois minutos, e que, teoricamente, estaria muito mais próximo. 

Este é, como muitos outros paradoxos do argentino, uma crítica sutil à maneira incorreta de formular um problema.  

Borges indica que se insistirmos em enxergar o Tempo como uma espécie de Espaço (com direções tipo frente-trás, cima-baixo, direita-esquerda) estaremos sujeitos a uma infinidade de paradoxos, porque esses tipo de visualização não se aplica necessariamente ao Tempo. (H. G. Wells, em seu famoso capítulo inicial de A Máquina do Tempo, contribuiu muito para enxergarmos o tempo dessa forma.)

No conto “O homem dourado” (em Realidades Adaptadas, Ed. Aleph) Philip K. Dick fala do jovem Cris Johnson, um rapaz de 18 anos meio autista - não fala, não se comunica, não dá trabalho à família, vive apenas olhando tudo à sua volta, e de vez em quando desaparece (e reaparece dias depois) sem dar explicações. Ele é um mutante, e seu super-poder consiste em adivinhar o futuro. 

Cientistas preparam complicados testes em que uma porção de aparelhos disparam sobre ele, num recinto fechado, e ele se desvia de todos os tiros. Ele sabe onde o tiro vai ser disparado, e apenas se afasta.

Johnson vive mentalmente num presente mais amplo, que se expande para o futuro, e não para o passado. Ele parece (ao contrário da frase de Borges) não lembrar o que aconteceu no passado, e ter uma visão muito clara do que acontecerá nos próximos segundos ou minutos. 

Diz uma cientista: 

“Ele tem um presente mais amplo. Mas seu presente se encontra à frente, não atrás. Nosso presente está relacionado ao passado. Somente o passado é certo, para nós. Para ele, o futuro é certo. E provavelmente não se lembra do passado, não mais do que qualquer animal é capaz de lembrar o que aconteceu.”

Cris Johnson vê o Tempo como um conjunto de cenas muito próximas e nítidas que vão se desdobrando e se ramificando em outras, cada vez menos nítidas à medida que são mais distantes, mas as cenas mais próximas, do futuro mais imediato, brilham com clareza. As cenas se tornam mais claras quando se tornam mais prováveis, e depois de acontecer, desaparecem. 

“A única coisa que lhe era desconhecida era a que já deixara de existir. De modo vago e obscuro, perguntava-se de vez em quando para onde iam as coisas depois que ele passava por elas”. 

É um mutante, por certo, mas num certo sentido é a prefiguração das nossas futuras gerações, cada vez mais vulneráveis a um Presente que não cessa de aumentar e de exigir toda sua atenção.