Uma velha verdade filosófica diz que a pior coisa da calúnia é a sua verossimilhança: “pode até não ser verdade, mas que parece, parece!” Do mesmo modo, a pior coisa de um clichê, de um lugar-comum, é que corresponde a uma verdade, e é com isso que os usuários de apegam quando tentamos combatê-lo. Os suíços são pontuais, os italianos são temperamentais, os franceses são galanteadores? Tremendos clichês, mas por trás de cada um deles existe um acúmulo de testemunhos maior do que o arquivo morto do INSS.
É o mesmo problema com que nos deparamos aqui no Brasil. Um nordestino quando viaja por regiões remotas do país é examinado com uma certa curiosidade, um olhar meio investigativo de quem ainda não tirou conclusões... Ficamos sem saber por que nos observam assim, e daí a algum tempo percebemos: é porque não estamos com uma peixeira enfiada no cinturão, não usamos um chapéu de cangaceiro, e não estamos mastigando uma rapadura. Para um sujeito do interior remoto do Sul ou do Centro-Oeste do país, um nordestino sem esses elementos é tão inverossímil quanto um mexicano sem bigodão, sem fuzil e sem sombrero.
Para muita gente, principalmente da imprensa, o Brasil é um permanente desfile de pessoas em trajes típicos, como nos desfiles de misses. Existem clichês tão arraigados que precisam ser mencionados em voz alta cada vez que a vida real os desmente. “Puxa vida... você é loura, de olhos azuis, nem parece baiana!...” Eu morei anos em Salvador, e a Bahia está cheia de gente loura, tanto quanto a Paraíba. Os detalhes de figurino, contudo, são os que mais incomodam. Aqui no Rio já me perguntaram tanto pela peixeira que tive até vontade de começar a andar com uma. Só não o fiz porque imaginei que acabaria usando em quem perguntasse pela sanfona.
O clichê alimentício é um dos mais irritantes. Quando alguém diz que veio de Minas Gerais, é inevitável a menção ao pão-de-queijo; se é um gaúcho, perguntam pelo churrasco ou pelo chimarrão; se fôr baiano, não escapa da citação ao vatapá ou ao acarajé. E se a pessoa der tanto-assim de corda, vem a citação obrigatória dos ícones verbais: “Uai, sô!”; “Trilegal, tchê!”; “Axé, meu rei!”.
Para quem escreve, é um mal necessário. Quando se usa um personagem numa cena vapt-vupt, como num cartum ou num programa de humor, é preciso usar o clichê, para que haja reconhecimento imediato. Quadros curtos não lidam com pessoas, lidam com clichês. Se fôr americano tem que usar óculos escuros e camisa estampada; se fôr boliviano tem que estar de poncho. Abrir mão do clichê é introduzir um ruído na comunicação, é distrair o espectador com uma dúvida irrelevante, quando a decodificação tem que ser instantânea para que se conte a história sem perda de tempo. E isso realimenta o clichê, que vira um modelo com o qual sabemos que vamos sempre ser comparados, por menor que seja a relação que temos com ele.
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