quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

4005) Os dois filhos (24.12.2015)



Uma família humilde tinha dois filhos, um de quinze e outro de doze anos. O mais velho nasceu de um parto difícil, sobreviveu com sequelas. Precisava de fisioterapias, etc., e se desenvolveu muito lentamente. Passava o dia na cama, falava com dificuldade, e nos fins de semana a família o levava para tomar sol no parque municipal numa cadeira de rodas. Já o garoto mais novo era muito esperto, estudioso, um menino bom que ajudava a cuidar do irmão mais velho. Os dois aliás se gostavam muito, eram unidos, dentro das limitações de linguagem do primeiro.

É quando o pai ganha um dinheiro numa loteria qualquer. Nada que o tornasse milionário; mas de repente ele tinha em mãos muito mais grana do que seria capaz de imaginar. Parentes se reaproximaram do casal, dispostos a ajudar num momento tão delicado. Passada a euforia inicial, todos, em volta da mesa, com lápis e papel, faziam contas e listavam as diferentes maneiras possíveis de aplicar aquela pequena fortuna caída do céu.

Anota daqui, risca dali, ficaram com apenas dois projetos em mãos. Fazendo as contas e as projeções futuras, descobriram que a grana recém-chegada lhes dava a chance de optar entre duas utilizações diferentes. Havia nos EUA um hospital especializado no tipo de problema do garoto mais velho. Com dois anos de tratamento, grande parte dos problemas dele poderiam ser revertidos: ele conseguiria andar, alimentar-se sozinho, falar de maneira inteligível, quem sabe até ser matriculado numa escola especial.

A outra opção era mandar para um curso de dois anos na Europa o garoto mais novo. Estudioso e bom em matemática, ele ganhava todas as competições desse tipo, era saudado como “futuro gênio” pelos professores, e os pais já colecionavam um álbum de matérias de jornal (e DVDs com reportagens de TV) sobre “o Einstein de Vila Junqueira”, como o menino era chamado no bairro onde sempre residiram.

Só que o cálculo era mesmo na ponta do lápis, despesas reduzidas ao mínimo do mínimo. Não dava para cortar aqui-e-ali e realizar os dois projetos. Colocava-se diante dos pais a famosa “escolha de Sofia”. Tentar diminuir o sofrimento e as limitações do menino mais velho, aumentar sua relativa autonomia, aliviar o peso que recairia um dia sobre o mais novo, já que os pais já estavam envelhecidos, cansados, com a saúde meio-lá-meio-cá? Ou explorar o potencial do menino mais novo, podendo inclusive, quem sabe, transformá-lo num fenômeno nacional, o que, a se confirmar essa hipótese, geraria um excesso de renda capaz de a longo prazo, reverter em algum benefício para o menino com problemas? Os pais continuam debatendo. Cartas para a redação.