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Jim Walpole, 77 anos, caminhava por uma rua de Toronto quando tropeçou e caiu de encontro a um andaime, sofrendo um corte profundo no pescoço. Pessoas correram para ajudá-lo, e um homem careca, que passava pelo local, ajoelhou-se junto dele e exerceu pressão sobre o ferimento, contendo a hemorragia. O homem disse: “Meu nome é John. Fique tranquilo, o senhor vai ficar bem.” O homem chamado John parecia seguro do que fazia, controlando por completo a situação, dando instruções às pessoas em volta, até que chegaram os paramédicos e socorreram o idoso, que escapou com vida. O homem careca era o ator John Malkovich, que estava de passagem pela cidade com uma peça de teatro.
No seu tempo de estudante em Madrid, Luis Buñuel tentou certa vez, por passatempo, com seus amigos, hipnotizar uma mulher num bordel que frequentava. Conseguiu, mas no mesmo instante vieram avisá-lo de que outra mulher, Rafaela, tinha adormecido bruscamente na cozinha. Dom Luis foi despertá-la, mas daí em diante criou-se um vínculo psíquico entre os dois. Bastava que ele passasse pela rua, caminhando na calçada diante do bordel, para que Rafaela, sem ter noção da proximidade dele, entrasse em transe. E mais de uma vez ele apostou com os colegas que podia chamá-la telepaticamente: sentavam na mesa de um café, Buñuel pensava nela com intensidade, e minutos depois Rafaela aparecia, desorientada, sem saber onde estava.
O cineasta Orson Welles nasceu na cidade de Kenosha (Wisconsin), mas foi concebido no Rio de Janeiro, onde seus pais estavam em viagem de férias – o que talvez explique o interesse especial que sempre teve pelo Brasil. Era um garoto precoce, e quando tinha um ano e meio de idade um médico da família entrou no seu quarto e o viu de pé, dentro do berço, dizendo com toda seriedade: “O desejo de tomar medicamentos é uma das principais características que distingue o ser humano dos animais.”
O escritor Julio Cortázar estava passando por Connaught Place, em Nova Délhi, quando foi cercado por pequenos engraxates, um dos quais rapidamente passou a tirar seus sapatos de camurça. Intimidado e um tanto compadecido, ele se resignou com a perspectiva de ver seus caros sapatos marrons serem mortalmente besuntados por uma graxa qualquer, e aceitou ser descalçado e enfiar os pés com meias em dois suportes de papelão. Qual não foi sua surpresa ao ver o pequeno lustrabotas abrir sua caixa de material e tirar dali uma inesperada, múltipla, policrômica, interminável e maravilhosa série de frasquinhos cheios de pós coloridos, de onde começou a misturar pós de cor marrom, sépia, amarelo, branco, negro... Enquanto com um palito os misturava dentro de um pedaço de gaze, seus olhos iam e vinham do sapato ao pó, do pó aos frasquinhos, até que tudo se encerrou com o gesto de turista torpe: pagar, única comunicação possível entre estes dois mundos.
Em 1941, durante a guerra contra o Eixo, os estrategistas da propaganda britânica passaram a usar o chamado “V da Vitória”, o popular gesto com dois dedos erguidos, induzindo nas multidões um senso de confiança e otimismo. O primeiro-ministro Winston Churchill ajudou a popularizar o gesto, inclusive conjugando-o com o seu hábito de segurar o charuto entre os dedos. A BBC de Londres percebeu também que no código Morse a letra “V” é representada por três pontos e um traço ( “ . . . – “), e que esses sinais reproduzem, por coincidência, as notas iniciais da Quinta Sinfonia de Beethoven. (A coincidência envolve também o fato de que “Quinta” é representada com um “V” em algarismos romanos.) E as transmissões da BBC relativas ao noticiário da guerra passaram a ser introduzidas por estas notas musicais, o equivalente sonoro ao gesto visível.
Henri Langlois, o famoso curador da Cinemathèque Française, teve em 1972 a idéia de fazer uma exposição de material relativo ao cinema, o Museu do Cinema. A exposição foi um sucesso, mas ele não se deu o trabalho de expor o material dentro de mostruários envidraçados e trancados. Isso fez com que poucos dias depois da abertura sumissem da exposição o casaco de couro de James Dean e o vestido que Marilyn Monroe usou em O Pecado Mora Ao Lado. Questionado a respeito pelo seu amigo Jean Rouch, ele respondeu: “Pouco importa se roubaram o vestido, eu tenho outros cinco e, se acabarem, peço a Pierre Cardin para fabricar outro igual. O museu é um museu do imaginário.”
O escritor Conan Doyle, depois de ficar célebre com o espantoso sucesso editorial das aventuras de Sherlock Holmes, deparou-se com todo tipo de situação criada pelos seus fãs. Certa vez, estava tomando parte num campeonato amador de bilhar, esporte que curtia bastante, e ao entrar no salão das competições um funcionário lhe entregou um pequeno pacote deixado por um fã. Ao abri-lo, Doyle encontrou um pedaço de giz verde, do tipo que se usa para passar na ponta do taco. Pôs o giz no bolso e passou a usá-lo daí em diante; virou uma espécie de giz de estimação, possivelmente porque lhe dava sorte. Até um dia em que, meses depois, esfregando o giz na ponta do taco, o pedacinho se quebrou e revelou que era oco, e trazia lá dentro um papelzinho dobrado. Doyle abriu o papel e leu: “De Arsène Lupin para Sherlock Holmes”.
Maria Luiza era uma jovem tímida e muito religiosa, que chegou a fazer estudos preparatórios para se tornar freira, mas acabou desistindo. Durante esse período de crise vocacional, hospedou-se na casa de um irmão seu, em outra cidade. Certa tarde ficou sozinha cuidando do bebê do casal. Tinha que dar-lhe uma mamadeira na hora exata, mas os relógios da casa estavam desencontrados. O que fazer? Resolveu telefonar para algum lugar, mesmo desconhecido, e perguntar as horas. Viu no catálogo um nome que julgou ser de alguma instituição religiosa, ligou, um rapaz atendeu. Ela perguntou as horas, ele respondeu mas estranhou – “a senhorita não tem relógio?!...” Era uma pensão para jovens estudantes; os dois entabularam uma conversa, simpatizaram um com o outro, conheceram-se, casaram-se, ficaram juntos até o fim da vida. A moça era “Iza”, irmã de João Guimarães Rosa, que divertia-se contando este episódio a sua filha Vilma.