domingo, 12 de janeiro de 2025

5142) Oito fatos reais (12.1.2025)




1
Jim Walpole, 77 anos, caminhava por uma rua de Toronto quando tropeçou e caiu de encontro a um andaime, sofrendo um corte profundo no pescoço. Pessoas correram para ajudá-lo, e um homem careca, que passava pelo local, ajoelhou-se junto dele e exerceu pressão sobre o ferimento, contendo a hemorragia. O homem disse: “Meu nome é John. Fique tranquilo, o senhor vai ficar bem.” O homem chamado John parecia seguro do que fazia, controlando por completo a situação, dando instruções às pessoas em volta, até que chegaram os paramédicos e socorreram o idoso, que escapou com vida. O homem careca era o ator John Malkovich, que estava de passagem pela cidade com uma peça de teatro. 
 
2
No seu tempo de estudante em Madrid, Luis Buñuel tentou certa vez, por passatempo, com seus amigos, hipnotizar uma mulher num bordel que frequentava. Conseguiu, mas no mesmo instante vieram avisá-lo de que outra mulher, Rafaela, tinha adormecido bruscamente na cozinha. Dom Luis foi despertá-la, mas daí em diante criou-se um vínculo psíquico entre os dois. Bastava que ele passasse pela rua, caminhando na calçada diante do bordel, para que Rafaela, sem ter noção da proximidade dele, entrasse em transe. E mais de uma vez ele apostou com os colegas que podia chamá-la telepaticamente: sentavam na mesa de um café, Buñuel pensava nela com intensidade, e minutos depois Rafaela aparecia, desorientada, sem saber onde estava. 
 
3
O cineasta Orson Welles nasceu na cidade de Kenosha (Wisconsin), mas foi concebido no Rio de Janeiro, onde seus pais estavam em viagem de férias – o que talvez explique o interesse especial que sempre teve pelo Brasil. Era um garoto precoce, e quando tinha um ano e meio de idade um médico da família entrou no seu quarto e o viu de pé, dentro do berço, dizendo com toda seriedade: “O desejo de tomar medicamentos é uma das principais características que distingue o ser humano dos animais.” 
 
4
O escritor Julio Cortázar estava passando por Connaught Place, em Nova Délhi, quando foi cercado por pequenos engraxates, um dos quais rapidamente passou a tirar seus sapatos de camurça. Intimidado e um tanto compadecido, ele se resignou com a perspectiva de ver seus caros sapatos marrons serem mortalmente besuntados por uma graxa qualquer, e aceitou ser descalçado e enfiar os pés com meias em dois suportes de papelão. Qual não foi sua surpresa ao ver o pequeno lustrabotas abrir sua caixa de material e tirar dali uma inesperada, múltipla, policrômica, interminável e maravilhosa série de frasquinhos cheios de pós coloridos, de onde começou a misturar pós de cor marrom, sépia, amarelo, branco, negro... Enquanto com um palito os misturava dentro de um pedaço de gaze, seus olhos iam e vinham do sapato ao pó, do pó aos frasquinhos, até que tudo se encerrou com o gesto de turista torpe: pagar, única comunicação possível entre estes dois mundos. 
 
5
Em 1941, durante a guerra contra o Eixo, os estrategistas da propaganda britânica passaram a usar o chamado “V da Vitória”, o popular gesto com dois dedos erguidos, induzindo nas multidões um senso de confiança e otimismo. O primeiro-ministro Winston Churchill ajudou a popularizar o gesto, inclusive conjugando-o com o seu hábito de segurar o charuto entre os dedos. A BBC de Londres percebeu também que no código Morse a letra “V” é representada por três pontos e um traço ( “ . . . – “), e que esses sinais reproduzem, por coincidência, as notas iniciais da Quinta Sinfonia de Beethoven. (A coincidência envolve também o fato de que “Quinta” é representada com um “V” em algarismos romanos.) E as transmissões da BBC relativas ao noticiário da guerra passaram a ser introduzidas por estas notas musicais, o equivalente sonoro ao gesto visível. 
 
6
Henri Langlois, o famoso curador da Cinemathèque Française, teve em 1972 a idéia de fazer uma exposição de material relativo ao cinema, o Museu do Cinema. A exposição foi um sucesso, mas ele não se deu o trabalho de expor o material dentro de mostruários envidraçados e trancados. Isso fez com que poucos dias depois da abertura sumissem da exposição o casaco de couro de James Dean e o vestido que Marilyn Monroe usou em O Pecado Mora Ao Lado. Questionado a respeito pelo seu amigo Jean Rouch, ele respondeu: “Pouco importa se roubaram o vestido, eu tenho outros cinco e, se acabarem, peço a Pierre Cardin para fabricar outro igual. O museu é um museu do imaginário.” 
 
7
O escritor Conan Doyle, depois de ficar célebre com o espantoso sucesso editorial das aventuras de Sherlock Holmes, deparou-se com todo tipo de situação criada pelos seus fãs. Certa vez, estava tomando parte num campeonato amador de bilhar, esporte que curtia bastante, e ao entrar no salão das competições um funcionário lhe entregou um pequeno pacote deixado por um fã. Ao abri-lo, Doyle encontrou um pedaço de giz verde, do tipo que se usa para passar na ponta do taco. Pôs o giz no bolso e passou a usá-lo daí em diante; virou uma espécie de giz de estimação, possivelmente porque lhe dava sorte. Até um dia em que, meses depois, esfregando o giz na ponta do taco, o pedacinho se quebrou e revelou que era oco, e trazia lá dentro um papelzinho dobrado. Doyle abriu o papel e leu: “De Arsène Lupin para Sherlock Holmes”. 
 
8
Maria Luiza era uma jovem tímida e muito religiosa, que chegou a fazer estudos preparatórios para se tornar freira, mas acabou desistindo. Durante esse período de crise vocacional, hospedou-se na casa de um irmão seu, em outra cidade.  Certa tarde ficou sozinha cuidando do bebê do casal. Tinha que dar-lhe uma mamadeira na hora exata, mas os relógios da casa estavam desencontrados. O que fazer? Resolveu telefonar para algum lugar, mesmo desconhecido, e perguntar as horas. Viu no catálogo um nome que julgou ser de alguma instituição religiosa, ligou, um rapaz atendeu. Ela perguntou as horas, ele respondeu mas estranhou – “a senhorita não tem relógio?!...” Era uma pensão para jovens estudantes; os dois entabularam uma conversa, simpatizaram um com o outro, conheceram-se, casaram-se, ficaram juntos até o fim da vida. A moça era “Iza”, irmã de João Guimarães Rosa, que divertia-se contando este episódio a sua filha Vilma.