terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

3113) "Literatura Nazista" (19.2.2013)





Não sei se foi Jorge Luís Borges quem inventou a biografia literária como gênero da ficção (Pierre Menard, Herbert Quain, etc.), mas o chileno Roberto Bolaño produziu um dos mais saborosos e intrigantes títulos desse gênero: A Literatura Nazista nas Américas (1996). Não sei se já saiu no Brasil. 

[ Saiu agora, pela Companhia das Letras, em tradução de Rosa Freire d'Aguiar. ]

É uma coletânea de biografias curtas de 30 escritores de variadas tendências direitistas. Os capítulos variam entre duas e trinta páginas. A imaginação de Bolaño é notável, mas mais notável ainda é seu olho jornalístico: os personagens que ele descreve são caricaturas ou esboços descritivos de escritores em que a gente esbarra em qualquer esquina.

Há por exemplo os irmãos Ítalo e Argentino Schiaffino, chefes da torcida organizada do Boca Juniors, envolvidos com gangsters, celebrantes da violência física e da briga de rua, e colocando a culpa de todos os problemas do país na burguesia judaica e nos intelectuais comunistas. 

Há o plagiador inveterado Max Mirebalais, haitiano, cuja obra é uma gigantesca antologia de autores obscuros cujos poemas ele copia e assina. 

Há a socialite argentina Luz Mendiluce Thompson, cuja maior honra foi ter posado nos braços de Hitler quando era bebê e sua mãe visitou a Alemanha. 

Há o norte-americano Zach Sodenstern, autor de romances de ficção científica sobre o super-herói Gunther O’Donnell, que é acompanhado por seu cão, “um pastor alemão mutante, com poderes telepáticos e tendências nazistas”. 

Há o poeta Rory Long, que cultiva a poesia falada e funda a Igreja Carismática dos Cristãos Californianos. 

Há a poetisa mexicana Irma Carrasco, que afirmava estar “apaixonada por Deus, pela Vida, e pela Nova Aurora Mexicana, à qual se referia indiscriminadamente como ‘ressurreição’, ‘despertar’, ‘sonho’, ‘apaixonar-se’, ‘perdão’ e ‘casamento’”.

Deixo para depois o comentário sobre os dois brasileiros que entram no catálogo imaginário de Bolaño. Os autores que ele inventa (ou que recompõe das memórias de suas andanças por América Latina e Europa) não são todos propriamente nazistas. São aquela mistura informe e desorientada (que aliás não é privilégio da Direita) de vaidade, tacanhez espiritual, leituras desordenadas e cheias de lacunas, alpinismo social, idealismo egoísta, fervor missionário. 

Seus “nazistas” na verdade não passam desses indivíduos que ouvem dez galos tecendo a manhã em diferentes pontos cardeais e querem descobrir todos ao mesmo tempo. 

O único personagem realmente ameaçador é o último, Ramírez Hoffmann, que Bolaño retomou brilhantemente, com o nome de Carlos Wieder, no romance Estrela distante, já comentado aqui nesta coluna (http://bit.ly/SgYxoE).