sexta-feira, 7 de março de 2008

0042) O fã (10.5.2003)



Fanáticos por alguma coisa sempre existiram, mas só nos dois últimos séculos passaram a se expandir para fora dos dois laboratórios-de-frankenstein onde foram inventados, a Religião e a Política. 

Fanático quer dizer fã, sujeito obcecado por algo, e cuja energia vital é instantaneamente mobilizada pela idéia desse algo.

O fã é uma alma que executa movimentos de rotação e translação em torno do seu Ídolo, do qual recebe luz e calor.

Não se deve confundir o fã com o admirador. Admirador sou eu, é você, somos todos nós que admiramos centenas de coisas diferentes mas não estamos dispostos a muito sacrifício por elas.

Sou um admirador de vários times de futebol, que me dão tristezas e alegrias, mas jamais sairia de casa para me acorrentar aos portões da sede do clube, em protesto contra uma série de derrotas. Quem faz isso é fã.

Existe uma insanidade benigna em pessoas capazes de atos assim: torcedores do Treze, beatlemaníacos, militantes de um partido político, evangélicos recém-convertidos, devotos de um santo, jovens apaixonados por estrelas do cinema.

Não sei se foi a indústria fonográfica ou se foram os estúdios de cinema quem teve primeiro a idéia de criar fãs no universo profano da cultura de massa. É possível que tenha sido o pessoal de Hollywood, por volta dos anos 1920-30. Cada uma destas indústrias vive cevando yuppies cuja única função é descobrir novas maneiras de aumentar as vendas, de hipnotizar os consumidores, produzir neles uma fome ou sede específica que só poderia ser saciada de uma maneira.

O marketing engendrou os fãs, e os fãs engendraram os fã-clubes, que são entidades opostas às entidades assistenciais do tipo “Alcoólicos Anônimos”: um fã-clube é uma associação de viciados que se reúnem para estimular e aperfeiçoar o vício que compartilham.

Mocinhas pobres de bairro operário fazem milagres com suas mesadas para comprar revistas coloridas e brigar para ver quem tem mais fotos diferentes de Tom Cruise ou de Marcelo Anthony. Rapazes do sertão nordestino vestem camisas do Barcelona e anotam num caderninho quantos gols Kluivert e Saviola já fizeram na temporada. São fãs.

O fã é o maior exemplo dessa elusiva emoção a que os poetas chamam de Amor. O fã é alguém que ama com abandono total e sem esperança nenhuma. Ama sem ser amado, ama sabendo que o objeto de sua paixão jamais tomará conhecimento sequer de sua existência. Ama com fidelidade e submissão, sem exigir resposta, perdoando tudo; ama com o que Drummond chamava “amor sem conta, distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas, doação ilimitada a uma completa ingratidão.”

Ama com fervor missionário, e sai pelo mundo catequizando os incréus, confrontando os céticos, atraindo os recalcitrantes, localizando na multidão um mero simpatizante e investindo nele com cachoeiras de eloquência, brindes, presentes, até fazê-lo render-se, e apaixonar-se também.

O fã é um zumbi feliz. Ele tem um objetivo na vida, e eu morro de inveja de quem tem isso.





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