(ilustração: Alexander Jansson)
Um dogma enraizado em nossa cultura é o de que “a função da arte é criar o Belo”. Será que o que os gregos disseram sobre o assunto deve necessariamente ser a régua e o compasso para todo o mundo, inclusive jovens artistas no Brasil de 2003?
Muitos conceitos científicos de Euclides, de Ptolomeu, de Aristóteles e de outros vigoraram como verdades indiscutíveis durante milhares de anos, e de uma hora para outra viraram mera História. O que dizer de preceitos estéticos?
Keats dizia: “A beleza é a verdade, e a verdade é a beleza”. A leitura mais imediata destes versos (e por isso a mais comum) é que, quanto mais bela uma coisa vai ficando, mais verdadeira ela se torna. A verdade só existe nela na medida em que existe beleza.
Fazendo a sintonia fina no verso de Keats, eu leio: “A beleza é que é a única coisa real, e só são reais as coisas que contém algum traço de beleza.”
Acho igualmente plausível a versão oposta: a de que as coisas mais verdadeiras são necessariamente mais belas. Neste caso podemos inverter a frase e dizer que “a Verdade é que é a única forma de beleza, e uma coisa só é bela se contiver Verdade”.
Ouvimos isto o tempo todo, principalmente quando estamos lidando com artistas do povo, de técnica rude, como Zabé da Loca: “A música deles não é bonita, mas tem muita verdade...”
A noção de Arte como uma elevação rumo à Beleza nos deixa pouco à vontade para incluir obras de Goya, de Augusto dos Anjos, de Luís Buñuel ou de David Lynch. O que há de belo naquilo? pergunta-se o espectador.
É aí que surge Fernando Pessoa, com um texto de Álvaro de Campos, “Apontamentos para uma estética não-aristotélica”, o qual pode ser resumido nesta frase:
“Creio poder formular uma estética baseada, não na idéia de beleza, mas na de força – tomando, é claro, a palavra força no seu sentido abstrato e científico.”
As palavras que intuitivamente associo às grandes obras de arte têm muito pouco a ver com o Belo. Os poemas, os filmes, as canções que mais admiro me passam uma sensação de força, de um campo de energia que envolve aquela obra por inteiro e que é ativado ao contato da minha mente, como se bastasse pensar naquele texto para que ele percebesse que eu estava pensando nele e passasse a fazer contato telepático comigo. São como criaturas vivas. (Mas parece que nem todo mundo sente a mesma coisa.)
A diferença entre um poema banal e um bom poema é a mesma que existe entre uma lâmpada apagada e uma lâmpada acesa. O bom poema é o que contém mais força, mais energia, mais vida. Bob Dylan dizia que “um poema é sempre algo capaz de andar com as próprias pernas”.
Um grande quadro ou um grande filme parecem ter vida própria, e um gerador de energia próprio. Brota deles uma força mental, algo que liga o motor da nossa emoção, se encaixa nas engrenagens da caixa-de-marchas de nossa mente, e a bota para funcionar. Diante disso, pra que Beleza?
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