domingo, 23 de janeiro de 2011

2461) Vou mandar o clone (23.1.2011)



Por um lado meu problema é tempo. Me envolvo em atividades que se bifurcam em duas, que por sua vez se bifurcam em quatro, e como o tempo disponível não se bifurca da mesma forma, vejo-me saltando feito um louco daqui para ali, tentando comparecer a compromissos, perdendo um tempo irrecuperável em deslocamentos tartarugais pelo trânsito, dormindo às pressas, comendo mal, falando em dois celulares ao mesmo tempo, voltando para casa três vezes antes de chegar ao elevador porque me lembro que esqueci alguma coisa, faltando a encontros, confundindo terça-feira às cinco horas com quinta-feira às três... Não, não, impossível viver assim. Felizmente a engenética e a biotecnologia já me presentearam com uma solução rápida (mesmo que não muito barata).

Amanhã, churrasco na cobertura do industrial argentino que gostou do meu livro sobre Jorge Luís Borges e se comprometeu a financiar sozinho a edição do meu DVD ao vivo. Gente fina, o Lorenzo; culto, bom papo, amante da boa comida e das bebidas geladas. Problema são os amigos dele, igualmente ricos mas que nunca ouviram falar no Aleph, não sabem quem é Funes nem onde fica Tlon. Vão me encher de perguntas bobas sobre minha vida, vão ficar querendo comparar Dilma e a Sra. Kirchner, comparar Messi e Ronaldinho Gaúcho... Ora, que se danem. Vou mandar o clone.

Depois de amanhã vai ser pior. Tenho uma reunião numa produtora que vai avaliar meu projeto de documentário sobre coco de embolada e hip-hop. “Avaliar” não é bem o termo porque o projeto já foi aprovado e essa reunião é meramente pró-forma, já sei que eles vão fazer o possível para inflar a parte de hip-hop e minguar a parte do coco. Acham que coco é coisa de gente descalça, e que o hip-hop, por ser conhecido no mundo inteiro, tem mais resposta de público e mais chances de passar nas TVs a cabo do Azerbaijão e da Nigéria. Não sabem de nada. Não tenho paciência para ficar argumentando: vai ser como eu disse, e já passei para meu representante ordens tão inflexíveis quanto as Leis da Robótica de Asimov. Isso mesmo – não vou lá, vou mandar o clone.

Bendita solução, que me custou os olhos da cara, mas me permite pôr os pés somente onde me interessa e onde estou me divertindo ou aprendendo algo útil. Ninguém vai mais malbaratar meu tempo, espremer em gotas de suor inútil os minutos de ouro dos meus últimos anos de vida. Não fico mais em fila de banco (ele mesmo renegocia o empréstimo com o gerente) ou em sala de espera de médico (perto da minha vez de ser atendido ele me avisa pelo celular e eu chego num instante). Quando for apenas para estar presente, apertando mãos, ouvindo e respondendo bobagens anódinas, fingindo que estou me divertindo; quando fôr para aguentar com estoicismo o embate inútil das ondas da aporrinhação alheia; quando fôr para esperar sentado que a aranha do tempo termine de tecer seu relógio com a hora marcada, já sei o que vou fazer.