sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

3688) O Apanhador (19.12.2014)



O artista Richard Prince produziu uma obra que é um fac-símile perfeito da primeira edição do livro de J. D. Salinger O Apanhador no Campo de Centeio, em todos os detalhes, apenas com o nome de Prince na capa, como autor.  

Prince é um “apropriartista”, um praticante da “arte da apropriação”, uma moda recente (aliás nem tanto) que consiste em pegar uma obra alheia, fazer-lhe alterações microscópicas ou nem tanto, e devolvê-la num novo contexto.  Prince é famoso pelas fotos que fez das fotos de propagandas de Marlboro, e já foi alvo de um processo por apropriação de fotos alheias. (Ele não ganha muita grana com isso – faz quadros que são vendidos por milhões.)

Li um artigo de Kenneth Goldsmith, outro apropriartista (falo dele aqui: http://tinyurl.com/mtf7jqg), onde ele comenta o processo judicial em que Prince se envolveu por ter copiado fotos de um livro sobre rastafáris. 

Greg Allen, (do blog ) publicou um livro com 400 páginas de documentos desse processo, incluindo testemunhos, declarações juramentadas, sumários da corte.  

Goldsmith acha esse livro (Canal Zone Richard Prince YES RASTA: The Book) uma leitura essencial sobre a “arte de apropriação”: “Na verdade, esta coleção de documentos constitui o livro definitivo sobre práticas apropriativas nas artes, pois é repleto de advogados citando em minuciosos detalhes narrativos exemplos anteriores de roubo e pilhagem, envolvendo todo mundo de Marcel Duchamp a Jeff Koons”.

O que esses artistas fazem não é arte, é crítica de arte, é uma discussão pública dos conceitos artísticos. Arte conceitual que consiste em sacadas puramente mentais não é arte (pra mim): é crítica, e não digo isso para diminuí-la, pelo contrário.  A arte precisa mais de críticas desconcertantes do que de obras de arte que induzem ao bocejo. 

Porém, falar de “arte conceitual”, uma arte apenas de sacadas inteligentes mas sem a produção de obras materiais, é como falar de "sexo mental”.  Toda obra de arte é, em seu início, conceitual, mas depois requer criação. Não havendo um “fazer novo”, o artista ficou no meio do caminho.

Arte (pra mim) é “poiesis”, o ato de fazer. Dela não resultam só idéias, mas “um objeto a mais somado ao mundo”. O gesto de Marcel Duchamp mandando um urinol para a exposição como objeto de arte produziu um circuito conceitual, mas não uma obra nova. O “Apanhador” de Prince, idem: deflagrou uma ótima discussão, mas dela nem brotou um livro nem uma obra de artes plásticas. 

É um gesto crítico, uma discussão interna das mais proveitosas, mas dela não resulta nada que um público seja capaz de usufruir. O mundo da Arte ficou mais nítido, mas não ficou maior.