domingo, 25 de novembro de 2012

3040) Os robôs zumbis (25.11.2012)


(Oscar N)

Os ferros-velhos de robôs são tão melancólicos quanto os cemitérios de automóveis. Elegias fúnebres celebrando à luz do sol a oxidação e o esboroamento dos seres de metal. O marrom da ferrugem roendo como um câncer as placas luzidias, os circuitos labirínticos. Himalaias do desperdício industrial, o estado-da-arte de ontem sendo hoje arrastado e solto no lixão dos descartáveis. Aqui e acolá um sacoleiro de chips faz sua coleta esperançosa, mas os tecno-monturos erguem colinas a perder de vista, pois a cornucópia eletrônica não para de vomitar silos e mais silos de placas-mães.

Nos lixões de robôs já filmei com celular a imensa vala comum onde sub-empregados esqueléticos seguravam os autômatos pelos braços e pernas, balançavam, atiravam lá de cima, fazendo-os cair no fundo e ir escorregando por cima dos corpos desconjuntados dos que os precederam. Andróides, ciborgues, robôs, servomecanismos; contrafações humanóides estruturadas em circuitos eletrônicos, esqueletos hidráulicos, microengrenagens, massa muscular sintética, sistemas nervosos em fibra ótica mais fina que um cabelo de bebê. Conseguimos reproduzi-los mais depressa do que nossa própria reprodução biológica/coital. Bilhões de espantalhos articulados, programáveis, obedientes ao controle remoto e à administração wireless dos governos. E que quando quebram são jogados fora. Pra que consertar? Quando um deles cai, dez outros se erguem de uma linha de montagem em Xangai, em Mumbai, em Dubai, em lugares onde nem chegou o Google Earth.
 
Aquilo que tomba hoje vem a se erguer amanhã. E de repente as ruas estão tomadas pelo clang-clang dos retirantes cibernéticos, cambaleando sob o sol, vagando sem destino, sem tarefa, sem missão. Quem os reergueu da tumba aberta? Quem trouxe de volta esses lázaros de titânio e categute? Talvez um vírus; um restinho de vida num pseudo-cadáver se transmitiu por wi-fi em círculos concêntricos na vala comum e despertou a todos, ferindo um nervo ainda vivo, desencadeando sub-rotinas mentais, e pronto, aqui estão eles invadindo as praças, atravancando avenidas, executando gestos sem sentido que lhes foram impostos ao ferro-em-brasa de um algoritmo – aparafusar peças não-existentes, colher soja no asfalto vazio, orientar trânsito no espelho dágua da pracinha. Mortos vivos, Doppelgangers insetóides, que não têm fome de nossos cérebros nem nos desejam mal, mas que estão a cada dia inviabilizando nossas cidades. Pela sua mera quantidade e surdez. Pela automatização compulsiva que os arrasta, e que não nos deixa outro remédio senão nosso último esporte radical, despedaçá-los a tiros e esperar que as balas sejam mais numerosas.