quinta-feira, 7 de junho de 2012

2890) Ganhando a vida (7.6.2012)





Dias atrás fui ao cinema e na saída encontrei uns conhecidos que não via há tempos.  Fomos tomar um chope ali perto, falamos de cinema (ou melhor, de como todo filme de Woody Allen parece uma continuação do filme anterior, só que com outros personagens), de futebol (e concordamos que nossos julgamentos sobre um clube de futebol dependem mais do resultado do último domingo do que de um século inteiro de altos e baixos), de política (concordei diplomaticamente com todos os absurdos que ouvi) e finalmente de dinheiro.  Cada um se queixou das dificuldades econômicas do país, e cada um descreveu como estava se virando.

Romualdo, por exemplo, revelou que vive de ser fiador.  Como assim?, perguntei.  Ele explicou que os pais, precavidos, botaram no nome dele a casa que possuem.  Como no Rio a procura por fiadores que possuam imóvel é grande, ele virou fiador-de-aluguel para amigos e conhecidos, cobrando a “uma agenda” de gente uma quantia mensal que vai de 100 a 200 reais, conforme o valor. “Todos pagam”, disse ele, explicando ainda que para quem consegue um bom apartamento na Zona Sul tanto faz pagar 2.500 como 2.600 reais por mês.  E a inadimplência?, perguntei.  Ele deu de ombros e afirmou que tinha uma “reserva técnica” que até então não fora necessária.

Valdir, que tem vinte e poucos anos, ganha a vida como ressuscitador de dados.  Como assim?, perguntei.  Ele explicou que uma das coisas mais comuns hoje em dia é gente que tem arquivos importantes (orçamentos familiares, diários, relatos de viagens, TCCs e teses de mestrado, etc.) gravados em mídias que a maioria dos computadores de hoje não lê mais, como os famosos “floppy disks”, os disquetes de 3.5”, CDs gravados com softwares meio defasados (Wordstar... WordPerfect...) e assim por diante.  Como o sogro dele trabalha na “oficina digital” (setor de consertos) de uma grande empresa, ele tem acesso a variados de tipos de computadores 286, 486 e outras mídias jurássicas.  E na maior parte dos casos consegue recuperar os dados perdidos, atualizar seu formato e transferi-los para um pendraive ou outra engenhoca moderníssima.  “Tendo a certeza absoluta”, diz ele, “que daqui a 10 anos a mesma pessoa me virá com o pendraive pedindo-me que transfira os dados para a interface bioquântica que ela mandou implantar no cérebro”.

Um grande financista disse uma vez que onde existir uma necessidade humana existirá uma oportunidade para se ganhar dinheiro. Uma sociedade cada vez mais complexa aumenta exponencialmente essas oportunidades. Por que me maravilho com isto?  Talvez porque eu ganho a vida exatamente como milhões de pessoas ganhavam cem, duzentos anos atrás.