Nelson Rodrigues tornou célebre o conceito de “complexo de
viralata”, a forma peculiar de complexo de inferioridade que o brasileiro em
geral costuma puxar do bolso à menor derrota, ao menor fracasso. Esse complexo
está bem ilustrado na famosa piada sobre a criação do mundo. Deus põe no Brasil
as melhores florestas, as melhores praias, o que há de melhor na Natureza, e
quando alguém reclama de tanto favorecimento ele diz: “Ah, você precisa ver o
povinho vagabundo que eu vou colocar aqui”.
Eu proponho rebater essa piada com outra em que Deus está
distribuindo as classes sociais no Brasil, e vai derramando aqui as elites mais
egoístas e mesquinhas, os intelectuais mais colonizados, os banqueiros mais
rapaces, a classe média mais consumista, os políticos mais venais, e assim por
diante. Alguém protesta contra tanto castigo e Deus responde: “É porque você
ainda não viu o Povo-mesmo que eu vou botar aqui, é um povo que vai passar por
cima disso tudo e vai fazer um grande país”.
A piada é besta? Não é nem
piada? Sei lá, pra mim é tão boa ou tão
ruim quanto a outra, porque a mente da gente aceita o que já está
estruturalmente preparada para aceitar.
Tem brasileiro que duvida do Brasil e pronto, acabou-se. Para ele, dizer
que o Brasil não presta serve de camuflagem inconsciente para o fato de que
quem não presta é ele.
Caetano Veloso disse uma vez em sua coluna no “Globo”: “Gostaria que, em vez de desvalorizar para
se eximir, que é o que a maioria se acostumou a fazer, as pessoas se
habituassem a valorizar o Brasil, porque isso dá mais responsabilidade”. Acho
que ele detectou o nosso bug.
Desvalorizamos o Brasil para que o Brasil não cobre muito esforço de
nós, coisa que o Brasil faria se estivesse destinado a grandes realizações.
Somos como o jogador de futebol que diz: “Pra que correr? Vamos perder de
qualquer jeito...” E eis um belo exemplo
de profecia que cumpre a si mesma.