quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

3747) Os nomes das ruas (26.2.2015)



(rua em Paraty, RJ)

Nomes de ruas já foram flashes de poesia ou de humor, ou serviram como uma polaróide-de-época, ou indicaram pequenos mistérios que um estrangeiro custa a decifrar.  

Vi um dia desses uma foto de uma placa inglesa, com o comentário embaixo: “A placa mais triste de todos os tempos”.  A placa dizia: “Carters Lane, antiga Wibbly-Wobbly Lane”.  “Wibbly-Wobbly” é um termo wibbly-wobbly de traduzir. Significa algo tortuoso, acidentado. Em termos nordestinos, a placa citada seria como trocar “Rua do Catabí” por “Rua Bonifácio Magalhães”. Tem coisa mais sem graça?  

Portanto, vou logo avisando: quando eu morrer não quero meu nome em rua.  Se quiserem me homenagear, criem uma biblioteca onde não existia nenhuma, e botem meu nome. Ou qualquer outro.

Alceu Valença tem uma canção (“Pelas ruas que andei”) homenageando os nomes das ruas de Recife e Olinda, talvez as cidades com nomes mais poéticos.  Nunca esquecerei que minha avó Clotilde, já velhinha, morava na Rua das Moças.  Quando eu era menino, passei muitas férias na casa dela na Rua Subida do S, no Fundão, nome que eu achava tão descritivo (a rua era exatamente isso, uma ladeira em forma de S, lembrando a sextilha famosa de Pinto do Monteiro) que o utilizei anos depois no meu romance A Máquina Voadora

O Rio ainda tem a Rua das Marrecas, a Rua do Teatro, a Rua do Jogo de Bola, a Rua da Quitanda, a Rua da Alfândega, a Rua do Paraíso e outras que talvez não demorem a ser rebatizadas com o nome de algum picareta municipal, cavalheiro-de-indústria estadual ou bilionário-provisório federal. 

Quando morei em Salvador, procurei casa no bairro do Garcia, e descobri a Rua dos Artistas. Saí batendo de porta em porta perguntando se não havia alguma casa para alugar ali.  Não havia, e o mais que consegui foi acabar morando na Rua Vítor Meireles.  (O fato de depois ter morado, no Rio, na Rua Pedro Américo me pareceu uma rima com essa moradia baiana.)  

A rua em que nasci, em Campina Grande, era chamada de Rua dos Paus Grandes (“honni soit qui mal y pense”), devido a umas árvores enormes que a enfeitavam nos idos de 1950.  É aquela rua que desce do final do Beco dos Bêbos (cujo nome oficial ninguém sabe) e vai até o Ponto Cem Réis.

Não são somente os nomes de ruas.  Drummond viu a cidadezinha de Brejo das Almas ser rebatizada como Francisco Sá; revoltou-se, e imortalizou o nome no título de um livro seu. Muitas vezes os nomes novos não pegam. O povo continua a dizer o nome enraizado na memória coletiva.  

E é tão bonito alguém poder dizer que mora Rua da Floresta, Rua da Passagem, Rua da Aurora, Rua das Palmeiras, Rua das Ninfas, Rua da Boa Hora.