A poesia de idéias faz algumas pessoas torcerem o nariz, principalmente pessoas para quem a poesia é “de la musique, avant toute chose”, como queria o poeta Verlaine. A música, antes de tudo; só é poesia se contiver um jogo de sonoridades, de cadências, de ritmos, de harmonia entre as alternâncias de sons fortes e sons fracos, sons abertos e sons fechados... Enfim – as possibilidades, como sempre, são infinitas.
(Bertolt Brecht, “Lob des Zweifels” - trad. BT)
Vamos brindar – à dúvida!
E você, trate com simpatia e respeito
o homem que escuta o que você fala
como quem testa uma moeda suspeita.
Seja esperto. Não dê sua palavra
com tanta certeza assim.
Leia livros de história. Leia sobre
a fuga em pânico de tantos exércitos invencíveis.
Para onde quer que você olhe
há fortalezas inexpugnáveis desmoronando,
e mesmo que a Armada fosse incalculável
quando deixou o porto,
era sempre possível contar
quantos navios voltaram.
Sempre há um dia em que
um homem pousa o pé no pico inatingível,
e um navio chega ao limite
do infinito mar.
Como é belo ver cabeças que discordam
diante da indiscutível verdade!
Bravo! – para o médico que curou
o paciente desenganado.
Mas a mais bela das dúvidas
é quando os explorados e os ofendidos
erguem a cabeça,
e param de pensar que seu opressor
não pode ser derrotado.
* * *
Ah, como foi custosa esta verdade!
Quantos sacrifícios ela exigiu!
Como foi difícil perceber
que as coisas eram assim, e não assado!
Um dia, com um suspiro de alívio,
um homem a escreveu
no livro do conhecimento.
Por muito tempo, talvez, ali ela ficou
e muitas gerações com ela conviveram
e a tiveram como a sabedoria eterna,
e os intelectuais tratavam com escárnio
quem não sabia aquilo.
Mas pode acontecer então uma suspeita
porque algum experimento recente
mostrou que aquela verdade
está aberta à discussão...
A dúvida se espalha, até que um belo dia
outro homem vem, e a retira
do livro do conhecimento.
* * *
Ensurdecido por tantas ordens,
examinado
por doutores barbudos e declarado apto para a guerra,
inspecionado
por figurões ilustres com dragonas de ouro,
corrigido
por clérigos que lhe jogam na cara
um livro escrito pelo próprio Deus,
amestrado
por mestres impacientes, eis aí
o pobre homem,
enquanto lhe dizem que este é o melhor dos mundos
e que a goteira no teto do barraco
foi autorizada pessoalmente por Deus.
De fato: é bem complicado
duvidar de um mundo assim.
* * *
E existem os não-pensantes que não duvidam nunca.
Sua digestão é esplêndida, seu julgamento é infalível.
Eles não creem em fatos; só creem em si mesmos.
Na hora do vamos-ver, jogam os fatos pela janela.
Sua paciência consigo mesmos não tem limites.
Escutam as discussões
com os ouvidos de um alcaguete da polícia.
Os não-pensantes que nunca duvidam
equivalem aos pensantes que nunca agem.
Esses aí duvidam – não para chegar a uma conclusão,
mas para não terem que decidir. Suas cabeças
só servem para acenar "que não”. Com rosto ansioso
eles avisam a tripulação do navio a pique
que a água é perigosa.
Ao ver o carrasco erguendo o machado,
perguntam se ele, também, não é um ser humano.
Murmurando que nem tudo ainda está claro,
vão para a cama.
Sua única ação é a de hesitar.
Sua frase favorita: ainda não é o momento de falar sobre isto.
* * *
Portanto, se você elogia a dúvida,
não elogie aquela dúvida
que é uma das formas do desespero.
De que adianta a um homem poder duvidar
se é incapaz de decidir?
O que se satisfaz
com duas ou três razões
pode agir de um modo errado,
mas o que precisa de muitas
fica sem ação ante o perigo.
Se você é um líder de pessoas
não esqueça
que só está ali
por ter duvidado de outros líderes.
Então, conceda aos seus seguidores
o direito de duvidar.