sábado, 7 de novembro de 2015

3966) Nove bilhetes (8.11.2015)



“Mamãe. Tou indo morar com Dilermando. Ele é honesto e trabalhador, sim, pouco me importa se é feio. Falei falei ninguém quis me ouvir. Papai parece uma parede e você só faz reclamar. Apois reclame agora. Sua ex-filha, Cilene.”

“Dr. Barros: Neste envelope o sr. vai encontrar prints de postagens recentes de sua lavra, numa rede social. Acreditei porque vi. Convoquei o Conselho para uma reunião extraordinária hoje às 14 horas e sua presença é exigida. A rescisão do seu contrato lhe será entregue à saída da reunião, se não tiver uma boa explicação para isto. Duvido que tenha. Arnaldo Penske.”

“Fala Betão. Tudo em cima meu irmãozinho. Três coisa. Primeiro o conserto do carro, tu vai ter que rachar comigo, blz? O véio virou fera. Bora agilizar. Segundo a festa das meninas do salão de manicure vai ser na quinta em vez da sexta, no Bar do Macuco mesmo. Terceiro: tu é muito feio, cara, tu só tem nariz e queixo kkkkkk. Teu bróder Peninha.”

“Carminha, mulher, tu visse o que a infitete da Zezé tá falando de tu no feice? Eu fosse tu chamava João pegava o carro e ia lá na budega dela e bachava o cacete. Prela aprender. Sua amiga fiel, Dora.”

“Prof. Nivaldo: Registro aqui meu agradecimento pelos seus gentis comentários ao capítulo da tese. Cabe-me esclarecer que a escassez de referências bibliográficas é provisória e deve-se ao acúmulo de afazeres, tanto de ordem acadêmica quanto pessoal, que tem caracterizado minha vida nos meses mais recentes. Muito grata, sua (esperançosa) orientanda, Rosimeire.”

“Sr. Campista: Esta é a quarta vez que venho aqui, toco e ninguém atende. Minhas mensagens e telefonemas o senhor não responde. Lamento mas começo a ver nesta atitude um indício de má vontade, quando não de má fé. Tomarei as providências legais cabíveis. Ariosvaldo.”

“Caro Heitor: Obrigado pelo envio dos três volumes de sua trilogia ‘A Lenda do Unicórnio – Um Épico Céltico-Bretão’. Infelizmente a obra não se enquadra em nossa linha editorial, pois a Conteúdo é especializada em ciências jurídicas e sociais. Desejamos boa sorte nas próximas tentativas! Atenciosamente, Magali Seixas, Coordenadora Editorial.”

 “Márcia: Esqueça aquilo de ontem. Foi bobagem minha. Bebida faz dessas coisas. Você e Camilo são meus maiores amigos. Vamos dar uma risada e esquecer tudo. Atenda o telefone, por favor. Não vou te encher o saco. Meus sentimentos são problema meu. Vamos, atenda. Paulo.”

“Môzinho, deixei salada e frango na geladeira, é só esquentar e jantar, depois bote tudo na pia. Assim que acabar o culto eu volto pra lhe cobrir de beijos! Lhe amo muito. Sua Helô. PS: Não precisa esquentar a salada viu? Amo amo amo.”




3965) Notas sobre videogames (7.11.2015)



Uma grande parte do público, quando ouve falar em videogame, pensa que existem apenas games de guerra, ação, aventura, violência. Games de explosões, massacres, tiroteios, bombardeios, serial killers, zumbis, etc.  São numerosos, sim.  Tantos quanto os filmes análogos no cinema. Mas, tal como no cinema, existem games de todo tipo. Games de mistério, games de gerenciamento (administrar uma cidade, um império, etc.), games de enigmas e quebra-cabeças. Achar que todo videogame é de violência é uma visão tão limitada quanto achar que toda a MPB consiste em samba.

Os games resgatam uma forma perdida de experiência dramática, uma espécie de inocência onde se entra num mundo sem saber nada dele, e é preciso aprender como funciona, é preciso assimilar tudo na base da tentativa-e-erro. E é o jogador (ao contrário do espectador de cinema) quem toma todas as decisões.

A maioria dos games se alterna entre trechos expositivos, os “filminhos” onde fragmentos da história são contadas, sem interferência do jogador, e os trechos interativos, os trechos de jogo propriamente dito. Mais ou menos como um teatro onde cenas decoradas e reproduzidas viessem intercaladas com cenas de improviso envolvendo a platéia.

O desenvolvimento dos jogos foi maciçamente realizado por engenheiros que criavam a mecânica (reprodução e movimento das imagens) mas não tinham nenhuma formação dramatúrgica. Não estavam preocupados com a arte narrativa, ou com a psicologia dos personagens, ou originalidade nos enredos. Seu objetivo era reproduzir movimentos plausíveis, melhorar as texturas de pele ou de roupa, as trajetórias dos objetos, etc.

Para Tom Bissell (“Extra Lives”) os games começaram como um desafio para engenheiros, viraram um negócio milionário ao se tornarem capazes de produzir aventuras interativas, e somente depois passaram a ter ambições mais “artísticas”.

O game, mais do que qualquer forma de arte narrativa, promove um conflito entre a autonomia do autor e a autonomia do jogador. A tensão entre uma obra fechada, onde tudo está previsto de antemão, e uma obra aberta, onde a cada vez que o game é jogado pode ocorrer algo inteiramente novo.

Peter Molyneux afirmou certa vez: “Fazer um videogame é como se alguém fizesse um filme onde 90% do tempo fosse consumido preparando os cenários e 10% filmando as cenas com os atores”. Tom Bissell afirmou que os games foram em vinte anos das inscrições rupestres ao teto da Capela Sistina. Molyneux completou dizendo que não só isso: antes de pintar o teto da Capela, os games tiveram que inventar a arquitetura, cortar as pedras e fabricar as tintas, tudo ao mesmo tempo.