sexta-feira, 7 de março de 2008
0005) O Acaso e o Destino (28.03.2003)
(J. G. Rosa, por Baptistão)
Numa carta aos seus pais em 1958, Guimarães Rosa, que sempre foi meio preocupado com o sobrenatural, comentava:
“Por estes dias, cá, só se fala política, com uma ou outra interrupção, para se comentar o estado de saúde do Papa. Ainda há pouco estive pensando: Pio X morreu em 1914, ano do começo da Primeira Grande Guerra, e Pio XI em 1939, ano da Segunda. Que Deus não deixe constituir isso regra nenhuma de agouro!”
Pouco depois, morria Pio XII; mas a Terceira Guerra Mundial não aconteceu.
Aos meus olhos de cético, não existe relação de causa e efeito entre a morte dos Papas e o começo das guerras. Podemos, no máximo, pensar que as tensões e o sofrimento de um período pré-guerra ajudam a abalar a saúde dos Papas, que em geral são idosos. Nada mais. Mas num momento como este, com o bombardeio comendo solto, e a saúde de João Paulo II numa peínha de nada, qualquer supersticioso começa a ficar inquieto.
Por que motivo a gente acha que essas correspondências casuais entre duas séries de eventos podem ser levadas a sério? Creio que isto se deve a nossa necessidade de ordem, de sentido. Fatos fazem mais sentido quando estão interligados do que quando são independentes entre si.
Descobrir um nexo, uma relação entre fatos importantes nos dá a sensação de saber como se organizam, de poder predizer o rumo dos acontecimentos. Se não pudermos controlá-los, pelo menos poderemos nos preparar para quando acontecerem.
A relação entre a maioria dos fatos de nossa vida é puramente casual. E é isto que causa angústia em muita gente: pensar que estamos sujeitos à cegueira do Acaso, sem que nada possamos fazer. Melhor acreditar num Big Brother que nos vigia e nos manipula 24 horas por dia: o Destino.
O Destino é apenas um título de nobreza com que tentamos subornar o Acaso.
Outro episódio da vida de J. G. Rosa, narrado por sua filha Vilma no livro Relembramentos, dá uma medida disto. A irmã de Rosa, Maria Luiza, precisava dar mamadeira a um sobrinho mas não sabia a hora. Ligou para um número que viu na lista, e que imaginou pertencer a uma entidade religiosa. Não era: era uma pensão de estudantes. Um rapaz atendeu, os dois começaram uma conversa, depois um namoro, e acabaram casados pelo resto da vida.
É isto que assusta muita gente: perceber que o rumo de uma vida inteira foi determinado por pequenos equívocos, pequenos acasos. É mais confortável crer no Destino, crer em forças superiores, crer que o mundo é mais organizado do que parece.
A crença no Destino nos enobrece, faz com que nos sintamos importantes: olha só, o Universo inteiro está conspirando a meu favor! Admitir o Acaso, em contrapartida, nos deixa desamparados. Ninguém se conforma, ou se sente confortável, em pensar que um amigo morreu simplesmente porque foi comprar o jornal na banca e um bloco de cimento caiu de uma construção, vinte andares acima. Não é toda cabeça que aguenta o choque de uma verdade como esta.
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