quinta-feira, 12 de julho de 2012

2921) Ciência vs. Fantasia (12.7.2012)



Nem sempre (ou melhor, quase nunca) é fácil traçar uma linha separando FC e fantasia, pelo modo peculiar como os elementos das duas sempre aparecem misturados. 

Arthur C. Clarke já afirmou que qualquer história onde se viaje mais rápido do que a luz é fantasia, e não FC, porque uma tal viagem é cientificamente impossível.

Há uma história de Ursula LeGuin (uma das primeiras que ela publicou) em que elementos dos dois gêneros estão misturados de um modo muito inteligente. 

“Semley’s Necklace” (1964) conta a história de um povo humanóide num planeta remoto, que tem uma civilização meio artesanal (suas armas são espadas, lanças, etc.), e que monta cavalos alados, uma espécie de “pégasos” naturais do planeta. Um mundo de fantasia heróica, por assim dizer. Semley é uma jovem que por uma série de motivos precisa reaver um precioso colar que foi subtraído do seu povo e levado para um museu em outro planeta. 

Ela viaja até a base dos colonizadores, e insiste tanto que eles a levam ao planeta onde a jóia foi guardada, prevenindo-a de que a viagem é longa mas vai durar apenas uma noite. Ela consegue a jóia de volta, mas quando retorna para sua aldeia descobre que não se passou um dia inteiro, mas nove anos. Seu marido morreu na guerra, e sua filha pequena é agora da mesma idade que ela.  

É um conto que contrapõe duas civilizações, uma “medieval” e a outra tecnológica, e mostra o choque cultural de uma pessoa ingênua ao se deparar com os efeitos relativísticos de um voo espacial.  Jamais passaria pela cabeça de Semley, em sua cultura, que uma viagem pudesse durar uma noite num lugar e nove anos em outro. A ciência vale inclusive para os que a desconhecem.

Um divertido filme de FC é Viagem Fantástica (1966) de Richard Fleischer.  Nele, um cientista tem um coágulo no cérebro que precisa ser operado; a única maneira de chegar lá é miniaturizando um submarino com uma equipe de médicos e injetando-o na corrente sanguínea do paciente, para que o veículo chegue até o cérebro e a operação possa ser feita.  

O filme impressiona até hoje pelos efeitos especiais, excelentes para a época, mas tem uma falha fundamental. Um submarino com sua tripulação, mesmo com seu tamanho diminuído para uma fração de milímetro, continuaria pesando as mesmas toneladas que pesa, porque sua massa continua sendo a mesma – apenas os espaços intra-atômicos foram reduzidos (mais ou menos como um livro sem espaços em branco mas com o texto completo gastaria a mesma tinta para ser impresso).  

O próprio Asimov, autor da novelização, teve que aceitar essa premissa obviamente anticientífica, e ela contamina de fantasia toda a narrativa subsequente.