sábado, 11 de julho de 2015

3864) A arte do bordado (12.7.2015)



(bordado renascença)


Numa conversa sobre livros, me lembro de alguém falar que o escritor tal, um clássico qualquer, era bom, mas “bordava muito”. Como se tratava de um autor de língua inglesa, pensei qual seria a palavra mais próxima, me veio “embroidery” que me parece cobrir essa área de rendas de agulha. É uma palavra que chama de imediato nossa noção de enfeite demais, adorno pra mais da conta, uma expansão fractal de padrões e loops geométricos.

Vi uma vez num sebo perto da praça Tiradentes um livro gigantesco de tricô, crochê, etc., com uma babilônia de ilustrações detalhadíssimas mostrando aquelas dízimas periódicas em forma de imagem. Uma coisa tão complexa quanto a montagem de um reator nuclear, pelo menos para mim, que olho de longe.

Mas o que é bordar? Acho que por cronologia e por importância é, primeiro que tudo: reforçar as bordas, as beiras, as periferias de um tecido. Têm que ser reforçadas porque são limites, fronteiras. Precisam da famosa linha preta em volta, que os pintores já discutiram tanto. Bordar é reforçar a borda de algo maior para que não se desfie, não se esgarce, não se desmanche, não se desfaça da escritura e trama que é. Para que não se desalinhe em meros fios soltos.

É um reforçar adornando. Quem redobra uma beira de pano tem que se distrair com alguma coisa, então alguém começou a inventar esses pequenos labirintos simétricos. Formas de alta matemática, geradora de muita filosofia: a arte de ficar bordando imagens ou palavras em silêncio.

Bordar pode ser também: prender a bola na borda do campo, longe de área, como tantos jogadores sabem fazer, driblando, girando, indo, mudando de rota, prendendo de novo, recuando para o ponto inicial. Muito útil em certas combinações de placar atual e tempo restante.  Não sendo assim, atacante, quando borda muito, começa a perder a função, como o ponta-direita que depois do sexto drible bem sucedido em série acha que não custa nada tentar o sétimo.

“Bordar / as bordas”. Isto será uma falsa etimologia? Inventar etimologias rebuscadas tem sido um passatempo para muita gente imaginosa. Seria, se eu afirmasse ter descoberto a “única verdadeira” explicação para uma palavra. Isso, se existe, deve ser muito raro. Mas a atribuição de uma etimologia imaginária pode se valer justamente disso, é o choque de algo que na verdade não tem ligação alguma. O choque da justaposição inesperada, bem surrealista, a sacudida que ela dá na imaginação.  É uma ficção verbal, uma biografia imaginária para uma pessoa (uma palavra) que de fato existe. Um processo de justaposição de idéias para gerar alguma coisa, contando sempre com a ajuda do acaso e a ajuda do engenho.