quarta-feira, 28 de março de 2012

2829) O neurônio numérico (28.3.2012)



Alguns saites consistem em intermináveis listas de coisas consideradas interessantes para algum tipo de platéia. Os assuntos variam, mas há um padrão sempre seguido nos títulos e na organização das matérias: “9 coisas que não se deve dizer a uma criança”; “10 truques fáceis para uma pele perfeita”; “12 atores de Hollywood que sofrem de acne”; “21 sinais de que você está numa relação emocionalmente abusiva”; “8 passos para escrever um romance”.

É o mesmo fenômeno que a gente observa na maioria das revistas que encontra nas bancas (principalmente, mas não com exclusividade, as revistas femininas): “140 modelos de blusas para este verão”; “99 truques de maquilagem”; “18 maneiras de prender seu namorado”; “85 tipos de sandália alta”; “253 arranjos de flores para sua sala”... E por aí vai.

Tenho uma teoria. Esses números não-redondos, aparentemente aleatórios, têm uma credibilidade (uma possibilidade de que sejam verdadeiros) maior do que se tudo se resumisse a uma série interminável de listas de dez ou de vinte. “Vinte modelos de toalhas de mesa” dá uma impressão mais vaga, menos específica, do que “Dezesseis modelos de toalhas de mesa”. O número quebrado parece verdadeiro, como se dissesse: “Olha, são só dezesseis mesmo, poderíamos ter inventado quatro só para fechar um número redondo, mas preferimos ser honestos e dizer somente o que é verdadeiro”.

Acho que temos um neurônio, ou uma família inteira deles, cuja função é registrar as referências numéricas. Ele nos ajuda a pensar, porque o número é um conceito claro, nítido. Dezesseis é diferente de quinze ou de dezessete. Ou é isto, ou é aquilo. O número nos dá segurança, certeza, a gente sente firmeza na informação, muito mais do que se lesse na capa de uma revista: “Vários arranjos para buquês de noivas. Numerosos conjuntos de mobília para a beira de sua piscina. Muitos truques de maquilagem para disfarçar olheiras. Uma porção de estampas bem coloridas para o verão que se aproxima”.

Algo na minha mente de redator considera essas frases chochas, vagas, imprecisas, e acha que não vão despertar confiança nas leitoras. Mas os neurônios numéricos dela darão logo um pulinho satisfeito quando lerem uma chamada tipo “31 receitas de doces sem açúcar” ou “14 filmes para assistir de mãos dadas”. O número é uma reiterada certeza neste mundo. Certos enunciados imprecisos, subjetivos, nos provocam insegurança, e por isto desconfiança. Ouvir falar em “muitos” ou “vários” é um pouco como olhar uma fotografia fora de foco. A isca do número passa uma idéia de informação concreta, de honestidade técnica, de segurança absoluta do que se está dizendo.