terça-feira, 27 de março de 2012

2828) Eu já matei um cara (27.3.2012)




Faz tantos anos e foi num lugar tão remoto que dá para contar agora e fazer de conta que não aconteceu. Eu estava viajando pelo Brasil, fazendo um trabalho. Em cada cidade me hospedava em casas de funcionários da empresa. Desconhecidos que recebiam em suas casas, por 2 ou 3 dias, um colega que vinha da matriz e tinha pouco tempo para transmitir uma porção de informações, reestruturar funções, coisas assim. À noite a gente encerrava pelas 9 horas e ia em algum lugar tomar cerveja, relaxar, jantar alguma coisa.

Numa cidade de cujo nome não quero lembrar, fiquei na casa de um cara que durante a noite trabalhava noutra coisa. Me deu a chave da casa e a do outro carro dele. Almoçávamos juntos, mas à noite ele ia no outro “bico” que fazia e eu saía sozinho. Na minha última noite lá, saí para dar um rolé, fui comer numa palhoça. Lá pelo fim da noite, houve uma confusão e uns caras brigaram, caíram por cima da minha mesa. Troquei uns sopapos e uns insultos com eles. Coisa de bêbo. Depois tudo serenou e os amigos os levaram embora. Finalizei meu uísque, paguei e saí. Tudo deserto. O carro estava distante, era um bairro cheio de matagais, poucas casas, o restaurante já apagando as luzes. Quando dei por mim, um dos caras da briga me atacou. Tinha voltado e estava me tocaiando. Rolamos agarrados, felizmente ele não estava armado, porque era maior do que eu. Dei-lhe uma gravata, e estava meio apavorado, puxei com muita força, senti um estalo no pescoço e o cara afrouxou.

Fiquei uma eternidade ali, num terreno baldio cheio de moitas, caído no chão e o corpo do cara esfriando, até que o larguei. O que fazer agora? Ninguém tinha visto nada. Vou chamar a polícia? Estragar minha carreira? E o que ia dizer a minha mulher? Que tinha matado um cara sem nem saber quem era? Esse terreno onde eu estava parecia os fundos de uma vacaria, havia uns estábulos, umas cocheiras. Tudo fechado. E havia um poço tampado. Arrastei o cara e o despejei lá embaixo, ouvi os trambolhões da queda e o baque, pelo menos uns dez metros. Pus de novo a tampa de madeira, pesada. Peguei o carro, voltei, entrei sem ninguém me ver, tomei um banho, escondi as roupas sujas no fundo da mala. No dia seguinte viajei. Passei dois anos num verdadeiro inferno, esperando a toda hora uma investigação vagarosa chegar até mim. Nunca mais botei os pés naquele Estado. Quando ouço às vezes o nome da cidade, na TV, sinto uma pontada no coração, até hoje. É fogo. Mais de trinta anos depois e de certa forma eu continuo acordado no fundo daquele poço. Faz tanto tempo e foi num lugar tão longe que dá para contar agora e fazer de conta que é um conto.