sexta-feira, 7 de março de 2008

0013) Sou modelo e atriz (6.4.2003)



É bem típico de nossa época uma garota responder, quando lhe perguntam sua profissão: “Sou modelo e atriz”.  

Não consigo pensar num contra-senso maior do que este. São as duas ocupações mais incompatíveis do mundo. Uma atriz é uma mulher que se multiplica em mil personagens. Uma modelo é uma personagem que se multiplica em mil mulheres. 

Para ser uma coisa é preciso varrer de si tudo que define a outra. Como é que elas conseguem, então?

Basta olhar um desses desfiles na TV e ver que o que houve foi um rolo compressor mental. Passou por cima das meninas, deixando-as com aquela silhueta de espaguete, e aquela expressão vácua de quem acabou de ter o cérebro sugado através do ouvido mas não perdeu nada cuja ausência prejudique seu funcionamento geral. 

Lá vêm elas passarela afora, vestindo uma roupa que parece uma luminária japonesa, andando naquele passo ensaiado mil vezes, erguendo aquele olhar de dominatrix que esconde o quanto estão apavoradas; dão uma voltinha, retornam, e voltam daí a pouco com outra roupa que parece um bombril de plástico.

Não têm nada de atrizes. Parecem soldadas de uma Guarda Republicana: têm todas o mesmo passo, o mesmo gesto, a mesma cadência, a mesma precisão, a mesma postura. 

A postura é um capítulo à parte, porque alguém as ensina a projetar os quadris para a frente, o busto para trás e o queixo para cima. Se Gisele Bündchen exercer a profissão até os 50 anos vai ficar igualzinha a um ponto de interrogação.

Nada mais longe da profissão de atriz do que esse desfile de máscaras de cera. Todas lindíssimas, mas de cera, e máscaras. 

São lindas que dão lágrimas nos olhos. Uma é uma sílfide de Botticelli, outra é uma nereida de Gauguin; esta aqui merece um Modigliani, aquela outra um Rafael. 

Vistas em conjunto, contudo, e ao longo dos anos, parecem ter sido inventadas por Andy Warhol e Marcel Duchamp, durante uma bebedeira.

Essas modelos de desfile estão muito mais próximas da função social e estética de um manequim-de-vitrine do que da função social e estética de uma atriz. Estas três profissões formam um triângulo pontiagudo, com modelo e manequim pertinho uma da outra e atriz a léguas de distância. 

Uma modelo é um cabide ambulante, ou uma “arara”, como são chamados nas lojas os suportes de roupas. Se uma delas quiser tornar-se atriz mesmo, a primeira coisa a fazer é extirpar da memória tudo quanto lhe ensinaram. Ou, se isso não complicar muito, continuar lembrando – e fazer tudo ao contrário.

Não vou descrever aqui o que é ser atriz (ou ator, aliás; vale pra todo mundo) porque é uma tarefa além das minhas forças. Eu diria apenas que um ator pensa por si mesmo, e um modelo é pensado pelos outros. 

Um sujeito dizer que é “modelo e ator” é tão paradoxal quanto dizer... deixa eu ver... “sou poeta e redator profissional.” Ih, rapaz. Pensando bem, pode até ser que as meninas tenham razão.





Um comentário:

Renata Elis disse...

Sempre detestei ver esse comentario " sou modelo e atriz", mas devo reconhecer que com uma certa ajuda dos 'coaches' teatrais, muitas modelos estao 'virando' boas atrizes!