Pediram-me para reproduzir nesta página a minha contribuição a uma mesa-redonda que se realizou em Campina Grande, durante o XII Encontro Para a Nova Consciência. Essa mesa teve lugar no “V Encontro de Ateus e Agnósticos”, um evento que aliás surgiu por sugestão minha, baseado numa verdade muito simples: se a Nova Consciência nos ensina a respeitar todas as crenças, por que não respeitar também a crença dos que não crêem? Um ateu também é filho de Deus, mesmo afirmando que o Homem não passa de um clone de si mesmo.
Só para esclarecer: um ateu é um cara que tem certeza de que não existe Deus. Um agnóstico é o que acha que dificilmente conseguiremos nos entender com um Ser Sobrenatural, caso este exista mesmo. Para um agnóstico, pode até existir um mundo espiritual; mas a possibilidade de um ser humano entendê-lo é mais remota do que a de um cupim decifrar a enciclopédia que está roendo.
Quando construímos a idéia de Deus, ela cumpre três funções. A primeira delas é uma função intelectual, a de explicar a origem, o funcionamento e o propósito do Universo físico onde estamos. É uma máquina complexa demais para ser obra do Acaso: galáxias, planetas, vida orgânica, moléculas, átomos... Não é possível. Tem que ter sido concebido por uma Mente Superior.
A segunda função é moral: Deus precisa existir para que tenhamos uma balança de valores éticos, para que tenhamos um Bem Absoluto com que medir nossos pequenos erros e acertos. A frase de Dostoiévski, “Se Deus não existe, tudo é permitido”, ainda nos causa a mesma crispação de horror de quem primeiro considerou a sério esta possibilidade. Se Deus não existe, então como poderemos convencer quem quer que seja de que somos eticamente superiores a um nazista ou a um serial killer? Quem nos garante que o mundo é feito à feição da nossa alma, e não à de Hannibal Lecter?
A terceira função existe para nos dar uma sensação de objetivo, de finalidade. Deus foi criado para nos trazer o imenso alívio de acreditar que a existência do mundo tem um propósito, assim como nossas vidinhas pessoais. A existência de Deus transforma o universo num lugar aconchegante, onde nos sentimos bem-vindos, onde por mais que enfrentemos dificuldades sabemos que existe, governando tudo, o Bem, uma presença severa mas amorosa, e que podemos viver em paz porque ela vela por nós.
Deus existe? Podemos responder: “Agora, sim”. É um conceito criado pelo homem, assim como o conceito de Arte, ou o de Democracia, ou o de Amor Romântico, que não existem na Natureza. Deus existe, e é tão real quanto Dom Quixote, quanto Ulisses, quanto o príncipe Hamlet, quanto Raskolnikov. Só que cada Deus é criado à nossa imagem e semelhança. O Deus de um sertanejo não é o Deus de uma socialite. E se é pra acreditar em alguma coisa, eu por mim prefiro acreditar numa Hipergaláxia Megafísica Pensante do que acreditar no Deus de um pastor que chuta a santa dos outros e tosquia os últimos tostões do rebanho.
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3 comentários:
"acreditar no Deus de um pastor que chuta a santa dos outros e tosquia os últimos tostões do rebanho", dissestes tu.
Você se baseia numa quitanda que vendeu um quilo de banana estragada e mal cheirosa e acha que toda a banana do bananal é ruim.
Deus não tem nada a ver com a interpretação e mal uso que fazem do Seu Nome.
Ele não é obrigado a interferir nas mentiras que o Homem criou.
Negar a existência de Deus só porque não O vemos é como um Filho negar a existência de um Pai que nunca viu....
"Deus não tem nada a ver com a interpretação e mal uso que fazem do Seu Nome", disseste tu, por sua vez... Logo, tal "interpretação" é tão indiferente quanto qualquer outra. Tu só estás se baseando no fato de ter comprado algumas bananas sadias na quitanda também: nem o vendeiro, nem o pedreiro que a fabricou ou mesmo o locatário de tal venda têm poder sobre o fato de as bananas estragarem naturalmente. Alguns, porém, mesmo sabendo que estão podres a vendem para lucrar às custas dos incultos e dos incaultos.
O que o Bráulio está dizendo é que tudo depende de interpretação mesmo. O que faz a tua interpretação melhor do que a dele, para ti, é o fato de ela responder melhor a uma ficção ("as mentiras que o Homem criou", segundo tuas palavras) criada no teu universo mental (seja ela tua ou não). Tu apenas escolheste acreditar numa história que te agrada mais do que outras no final das contas.
De um ponto de vista estritamente social, um pai ausente tem tanta importância sobre a vida do indivíduo quanto um inexistente. Por mais que o filho possa tentar dar sentido a sua existência, a indiferença do ser que lhe "gerou" o torna livre para imaginá-lo da forma que quiser (ou não imaginá-lo nunca)... Talvez seja melhor imaginar que ele é bom, afinal ele te criou, assim como a banana podre, né?
Para um pensamento nítido e lindamente escrito, sugiro ler "Variações sobre a hipótese Deus" do grande escritor português (psiquiatra e antropólogo, não o velho padre!) António Vieira, publicada recentemente no Brasi.
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