segunda-feira, 10 de março de 2008
0186) O poeta principiante (25.10.2003)
(ilustração: Katerina Kamprani)
Vivo cercado de poetas principiantes. Não há menosprezo nesta palavra. Tudo no mundo tem que principiar; então, que os poetas comecem a poetar desde cedo, porque escrever poesia é como dançar gafieira, requer longa prática e treino constante. Existe uma coisa que às vezes é chamada, um tanto pomposamente, “o fazer poético”, e que é um conjunto de técnicas. Tudo tem uma técnica. Dançar gafieira tem uma técnica, mas saber a técnica não adianta, se você não tem jeito para a coisa.
Um erro típico do poeta principiante é querer publicar tudo que escreve. O cara pega os primeiros 50 poemas que escreveu na vida, passa a limpo e manda para uma editora. Isto equivale a um músico mandar para uma gravadora suas aulas de violão, na esperança de que alguém queira pagar para ouvi-lo aprendendo a fazer o tom de Dó Maior. Os primeiros exercícios são penosos, são constrangedores, e mesmo quando os resultados são bons, é melhor guardá-los, e continuar escrevendo. Primeiros poemas são sempre regurgitações de poemas alheios, são reciclagem de clichês, são reflexos de grandes versos que lemos e nunca mais saíram de nossa memória, ficaram ali, moendo, moendo, contaminando tudo que tentamos colocar em palavras.
Os poetas surrealistas dos anos 1920 diziam que para chegar um dia a produzir grandes poemas é preciso “limpar a estrebaria intelectual”, jogar para fora todos os detritos verbais que absorvemos nas leituras, nas conversações do dia-a-dia, no cinema, no rádio... O tempo inteiro estamos registrando frases, piadas, versos, palavras novas, trechos de canções, gírias, jargão profissional. Nosso vocabulário e nosso senso de sintaxe são formatados ao longo desse bombardeio que dura a vida toda. Não temos controle sobre o que lemos e ouvimos. O momento de ter controle sobre essa bagunça é o momento de escrever.
É típico de poetas principiantes querer preservar a dimensão biográfica dos próprios poemas: momentos de sua vida pessoal, ou etapas do seu aprendizado poético. Vai daí, os poemas dos primeiros livros de um poeta geralmente vêm todos datados, alguns com requinte de detalhe: “14 de outubro de 2003, 16:30, praia de Copacabana.” Eu já fiz isso, todo mundo já fêz isso, mas hoje eu acho que tais particularizações não interessam ao leitor. O poema deve ir “a seco”para a página. O link biográfico deve ficar para o biógrafo, se um dia houver.
A maioria das pessoas começa a escrever poesias para desabafar sentimentos ou registrar estados de espírito. São poucos, por exemplo, os que começam a escrever poesias para contar histórias, ou para descrever lugares e ambientes. A poesia é considerada uma forma de olhar para dentro, de se auto examinar; e o poeta principiante recorre a ela quando está (para usar a linguagem de hoje) emocionalmente fragilizado. Quando se sente seguro de si, lúcido, mente acesa, o poeta principiante acha que não precisa escrever. Ele troca de roupa e vai beber com os amigos.
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2 comentários:
Bacana, Bráulio. Numa crítica ao ''Alguma Poesia'', acho que foi Mario de Andrade quem disse que Drummond levava vantagem sobre seus contemporâneos por já ter aparecido maduro em seu primeiro livro.
O fim também é foda. E além de tudo tem o meio, né?
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