Os biógrafos e críticos de Stanley Kubrick costumam descrevê-lo como um típico voyeur, um sujeito meio introvertido, um pouco anti-social, que acha mais fácil observar o mundo à distância do que tomar parte nele. Essa característica do seu temperamento já era observada por seus amigos durante sua infância de garoto judeu no Bronx, em Nova York. Em sua obra, isso se reflete através de temas visuais recorrentes: espelhos, janelas, frestas, aberturas por onde alguém espia ou é espiado; e pelo uso frequente da câmara subjetiva, que adota o ponto de vista de um personagem.
Em De Olhos Fechados estas imagens também retornam, sempre com novas conotações. Voyeur é Bill Harford, o personagem de Cruise, quando se infiltra sob disfarce numa orgia para a qual não foi convidado. Voyeurs somos nós, na única cena de sexo entre Tom Cruise e Nicole Kidman. O uso de um casal tão bonito e tão famoso foi um recurso publicitário de Kubrick. Ele satisfaz e ironiza o voyeurismo ansioso do público da época, que queria ver “como é que o casal 20 de Hollywood fazia na cama”. Kubrick coloca os dois, nus, diante de um espelho, trocando carícias. Quando Cruise a beija, Kidman desvia o rosto e olha na direção da câmara, como se incomodada ou fascinada pela sua presença. O público inteiro sente-se como se estivesse por trás daqueles espelhos-falsos de motel. É uma imagem irônica e inquietante, e foi usada como cartaz do filme.
Voyeurismo à parte, De olhos fechados é um filme para se ver com os olhos bem abertos, pela força das composições visuais de Kubrick. Na sequência inicial da festa, as cascatas de luzes douradas contrastam com as tonalidades cinzas e verdes do banheiro onde a garota-de-programa, Mandy, toma uma overdose e é atendida por Bill. Da beleza suntuosa do ambiente saltamos para um vislumbre do que acontece nos bastidores, por trás de portas trancadas.
Outro contraste de rara beleza é o que Kubrick usa nas três cenas de confidências íntimas entre Bill e Alice. A primeira, quando fumam maconha no quarto, é uma cena em tons alaranjados e amarelos, tendo ao fundo (emoldurando Alice) uma luz azulada que vem de fora. A segunda cena é quando Bill retorna da orgia, nesta mesma noite, e Alice conta o sonho erótico que teve: agora, o quarto inteiro está invadido pelo azul, e pela porta aberta vemos a luz amarela que vem do corredor. A terceira é quando Bill volta de madrugada, depois que Ziegler lhe explica a morte da garota; mais uma vez o quarto está todo azul, e quando ele termina de confessar a Alice tudo que ocorreu já é de manhã, e a luz do sol toma conta do aposento. Cores simbólicas? Não; prefiro acreditar que, para o diretor, o uso repetido dessas cores faz destas cenas um tríptico, um conjunto. Há uma continuidade de espírito e de função entre elas. Kubrick pinta com luzes, principalmente quando Kidman está em cena, com sua imagem de ninfa de Botticelli com pijaminha de dormir.
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