Morreu recentemente, aos 101 anos de idade, a alemã Leni Riefenstahl, cuja maior contribuição ao cinema foram os filmes O Triunfo da Vontade (1934), onde ela registra o congresso do Partido Nazista em Nuremberg, uma das mais impressionantes coreografias de massas militares na história do cinema, e Olympia (1936), documentário sobre as Olimpíadas de Berlim, aquelas que os nazistas pretendiam transformar na glorificação esportiva do atleta ariano, mas quem acabou sendo o dono da festa foi o negro americano Jesse Owens.
Riefenstahl inovou a linguagem do documentário esportivo. Seu senso visual, e seu estilo de iluminar e registrar os corpos musculosos dos atletas, fazem escola até hoje. Com a queda do nazismo, ela conseguiu se safar, alegando que nunca fôra membro do Partido, e que apenas era uma cinegrafista contratada. Bem ou mal, foi escapando, e durou mais tempo do que o III Reich que deveria durar mil anos.
A diretora foi parceira, à revelia, do espanhol Luís Buñuel, num episódio pouco conhecido da biografia deste. Durante a II Guerra, Buñuel tinha se refugiado nos Estados Unidos, à procura de emprego. Foi parar em Nova York onde conheceu a cinéfila inglesa Iris Barry, descrita pelo biógrafo buñueliano John Baxter como “uma comunista convicta, que apreciava uísques sofisticados e homens vulgares”. De 1932 a 1947, Barry foi a curadora do setor de cinema do MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York), e ali conseguiu vários trabalhos free-lancer para Buñuel, cujos filmes ela admirava. Foi ela também quem conseguiu hospedagem para Buñuel no apartamento do escultor Alexander Calder (o inventor dos “mobiles”), dando início a uma longa amizade entre as duas famílias.
O crescimento do nazismo, e o desinteresse do governo americano pelo cinema como arma de propaganda, fizeram Iris Barry planejar uma estratégia de choque. Ela conseguira uma cópia do negativo de O Triunfo da Vontade de Riefenstahl, juntamente com um filme sobre a invasão da Polônia, e encarregou Buñuel de preparar uma versão “melhores momentos”. Buñuel fêz em menos de um mês uma edição de 43 minutos, com música de Wagner, e o milionário Nelson Rockefeller intermediou uma exibição na Casa Branca para o presidente Roosevelt e um grupo de senadores; em seguida (janeiro de 1943), o filme foi exibido em Hollywood para uma platéia de celebridades.
Buñuel relata que em Hollywood o filme provocou gargalhadas em Chaplin (que a esta altura já realizara O grande ditador), mas que o diretor René Clair lhe disse: “Estes filmes não devem ser mostrados ao nosso público. Eles dão a impressão de que o nazismo é invencível.” O filme foi exibido nos consulados americanos de vários países, principalmente na América Latina. Nenhuma cópia sequer da versão editada por Buñuel sobreviveu nos arquivos do MoMA. Quem sabe algum dia uma delas virá a ser descoberta, toda empoeirada, em algum consulado americano aqui no Brasil.
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